sábado, 28 de abril de 2012

Jam n° 22.

Amor:
essa terra de chegadas sem partidas, de contornos sem centro, de espirais redefinidas a cada grafite quebrado por pura pressão em excesso –

o que dizer da dor sempre contida por algum analgésico de instante?
o que dizer dessa casca que o tempo cria, desse calo no peito impedindo o sentir das cordas antes tensas entre pele e osso?

Quem sabe a resposta inexista tal como inexistam manhãs genuínas, alvoreceres que não sejam fósseis de noites e noites que não sejam cheiros de cigarro e whisky.

Quem sabe o nó dos cabelos, o olhar de sal, seja sono de futuro, preguiça de intensidades e medo de mais rancores.

O que falar de um amor que escorrega, que você quer entre as mãos, quer como cama e calor, mas não consegue porque criou o costume de uma companhia feita de papéis 

(e muitas vezes, papéis sem palavras)?

Tudo isola, tudo é muro: 
rito/reflexo de uma tradição antiga que se põe a rodar antes mesmo do primeiro choro. 
O mais, velas apagadas, incenso insosso, dobras de tardes nas quais o corpo, muito mais que ouro, era a potência máxima de um número indecifrável.

Mas agora isso: 
essa quietude, esse querer que suspira saudades sem destino minuto a minuto, simulando um desejo unicamente para preencher as frestas dos dias com a possibilidade de uma essência real, desvirtuada de prenomes e RGs – 

mas apega à poeira básica colada no chão do Cosmo 
pelo carbono de qualquer deus liquefeito.

Amor:
por que tão carente de rigidez, tão desprezível em seus quereres e tão insone em seus propósitos de olhos que apagam pupilas na ânsia de insufilmes?

Bastaria um toque além da superfície, uma tensão além da fumaça mesclada com um retorno do pulsar de dez anos passados...

Mas não – agora tudo estragado, mofo e liquens que geram tombos, 
nascentes que não são.

É difícil não sentir.
É triste se apagar e enxergar ao redor uma reforma que não se dá.

Seria Síndrome de Tapera, porão sem gavetas ou livros amarelos, ponteiros de mordaça digital?

Não: a luz que chega diz “não!”.

Suspeita de si, não quer mais o cansaço de se saber luz e possibilidade de quebra.

Exausto, o coração deseja presenças no encalço de sonhadas solidões.

Mas nada se consagra.
Mas tudo se profana.

Restam palavras e sobrevôos de hematomas ao redor do corte que não deixa de sangrar.

Se houver a represa de um beijo, OK.
Se não, suma e não volte mais.

Só apareça sextas e sábados: nos outros dias, quero a mansidão do desencanto, do vazio e da simples e pura vontade de não ter absolutamente nada para falar.

Amor:
por que me fazer peça sem gosto ou sombra,
furtada de si, unicamente por querer seu presente mas nunca, jamais sentir?

Esse é o maior dos sofreres.

Amor!, amor!:
por que tem que ser assim?

3 comentários:

  1. Vi seu texto "Não somos salsichas" após minha amiga enviar o link. Fiquei extasiada. Me apaixonei por sua escrita. Pra minha sorte você deixou na página o link pra esse blog.

    Simplesmente incrível

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    Respostas
    1. Fico muito feliz pela sua leitura!

      Espero que possamos conversar.

      Caso queira, pode me procurar tanto no Facebook quanto no Twitter (Eduardo Matzembacher Frizzo - Facebook - e @eduardofrizzo - Twitter).

      Um abraço!

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  2. Como sempre, coerentemente profundo.
    Voltando a minhas leituras prediletas.
    Grato!

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