sexta-feira, 26 de outubro de 2012

GABRIELA, A PORRADA E O TATU-BOLA: A HISTÓRIA DE UM CUSPE.

Na noite de 4 de outubro de 2012, a manifestação denominada Defesa Pública da Alegria terminou de maneira lamentável em Porto Alegre. De posse do argumento de que a Prefeitura da Capital, sob o comando do Prefeito José Fortunati, realiza a privatização de espaços públicos, como o Largo Glênio Peres e o Auditório Araújo Vianna, ambos patrocinados pela Coca-Cola, o protesto iniciou na Praça Montevidéu de forma pacífica e animada, reunindo centenas de pessoas. Em torno das 22h30min, os ativistas se deslocaram ao Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, para promover manifestações junto ao boneco que representa o mascote da Copa do Mundo de 2014 – o afamado Tatu-Bola. 

Quando essa movimentação começou, a Brigada Militar estava parada ao redor do boneco, aparentemente inerte frente à caminhada da multidão. Tendo em conta diversos relatos, os policiais permitiram que várias pessoas ultrapassassem a grade que protegia o mascote, o que, mediante a exaltação de ânimos, deflagrou o que apenas pode ser descrito como uma “batalha campal”. Sessenta policiais militares do Pelotão de Operações Especiais (POE) do 9° Batalhão da Polícia Militar, além de tropas da Guarda Municipal, foram deslocados ao local. Para conter o avanço da multidão, foram utilizadas bombas de gás lacrimogêneo e tiros com munição não-letal. Como resultado, ao menos vinte manifestantes restaram feridos e outros oito foram detidos pela Brigada Militar.

Certamente a necessidade de repressão da multidão por parte dos agentes públicos foi o descontrole de alguns cidadãos, os quais transformaram uma manifestação inicialmente pacífica em um ato distante dos seus propósitos iniciais. Mas nada justifica os excessos cometidos pelos policiais com relação às pessoas presentes no local. Exemplo claro desses excessos é o que aconteceu com Gabriela Kliemann Dias, a qual residiu em Santo Ângelo por quatro anos. Atualmente morando em Porto Alegre, Gabriela é estudante de jornalismo e colaboradora do Facool, empresa que atua no ramo. Com a intenção de fazer a cobertura jornalística da manifestação, Gabriela foi agredida por três policiais enquanto filmava a ação com um telefone celular. O vídeo que comprova a agressão aos 3min de gravação pode ser acessado no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=4N6L8pXlR3g&feature=youtu.be), considerando-se que o mesmo já se encontra em posse da Secretaria de Segurança Pública do Estado e do Ministério Público.

“Eu fui gravar uma guria sendo espancada no chão por um policial e acabei sendo detida, me jogaram no chão, pegaram meu celular e quando eu disse que não era vagabunda (eles estavam me chamando não só disso) e afirmei que era estudante de jornalismo, resolveram me algemar e me levar pra delegacia”, relata Gabriela, que afirma também que os policiais colocaram um cassetete no seu pescoço e tentaram de toda forma arrancar seu telefone celular. “Até que eu comecei a apanhar, pisaram no meu seio e eu entreguei o celular. No caminho, após ser detida, um deles estava quase quebrando meu braço e eu pedia pra ele parar e ele dizia: ‘vagabunda, eu vou quebrar esse teu bracinho’”. Como se percebeu nos dias posteriores à manifestação, a cobertura da imprensa foi massivamente no intuito de “criminalizar” os ativistas. Porém, mesmo que se admita que vários manifestantes tiveram condutas reprováveis, excessos cometidos pelos agentes policiais presentes no local merecem ampla investigação.

À parte essas considerações, a problemática que envolve o caso me parece clara, pois quando um jornalista é agredido, há um cuspe na cara da opinião pública e da democracia. Além disso, quando forças policiais se reúnem em torno de um boneco inflável, como se tivessem intenções de “protegê-lo”, há evidências de que vivemos em uma sociedade esquizofrênica. O preocupante, contudo, é que quando Gabriela, a porrada e o Tatu-Bola são fatores que compõe o mesmo trinômio, percebemos claramente que a ascensão do conservadorismo brasileiro é voz ativa na construção de um Estado que está anos-luz distante das disposições republicanas contidas na Constituição Federal. Diante de tamanhas bizarrices, uma última: escrevo tais linhas em 2012. Convenhamos que as mesmas palavras, com algumas poucas alterações, cairiam perfeitamente aos anos de 1969 a 1974, período no qual o Governo Médici mergulhou o país em um dos momentos mais duros do Regime Militar. O que espero é que este texto não seja um sintoma ou talvez uma espécie de “premonição” quanto aos dias que virão. Do contrário, eu, Gabriela e milhões de brasileiros enfim conheceremos o pau de arara.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

SETE BREVES CONSIDERAÇÕES PARA UM ANO ELEITORAL: PARTE FINAL.

O que se comprovou com o pleito do último domingo é que um senso conservador impera no Brasil. “Mas conservar o quê?”, perguntará algum leitor. Simples: conservar o cenário político brasileiro da forma como sempre se configurou. Enquanto o eleitor aceitar esse coronelismo velado que perpassa todos os veios da República, absolutamente nada se modificará. Persistirá, ao contrário, a perspectiva de que o Estado, em sua composição política, existe apenas para favorecer interesses privados completamente distantes de preocupações coletivas.
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Algo que se percebeu claramente no transcorrer da campanha eleitoral foi a “infantilização do voto”. Ou seja: o eleitor confia que determinado candidato resolverá todos os seus problemas. É a consciência do filho que deposita todas as suas expectativas em seu genitor. Perdurando essa noção, o Estado brasileiro permanecerá como “um grande pai”, jamais organizado a partir de uma tônica racional, relegando às traças qualquer lógica em prol da pura politicagem.
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O alarde em função da Lei da Ficha Limpa ocorrido nos últimos meses teve sua razão de ser. Embora alguns não tenham percebido, a Lei da Ficha Limpa serve para proteger o eleitor dele mesmo. Funciona assim: se determinado candidato detém “ficha suja”, não pode constar na urna, sendo que, por consequência, não pode receber o voto do eleitor – se pudesse, receberia. Como bem falou David Coimbra em coluna publicada semana passada na Zero Hora, a Lei da Ficha Limpa serve para que reconheçamos que não passamos de uns abobados. O absurdo é que isso é extremamente necessário.
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Não concordo com a expressão que chama as eleições de “festa da democracia”. Levada ao pé da letra, traduz um pensamento comum brasileiro que julga que o único momento de se fazer política é em ano eleitoral. Na esteira dessa percepção, visões críticas e tentativas de participação na organização do Estado acabam sufocadas, subjugadas por uma massa populacional que não deseja ser nada mais que “pelego” de alguns poucos mandatários. O brasileiro, em sentido geral, aprecia sua semelhança a um “boi de canga”.
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A composição das prefeituras, mesmo que muitos municípios importantes tenham levado seu pleito para o segundo turno, demonstrou, em âmbito amplo, um “retorno da direita” – reconhecendo-se, porém, a “permanência da esquerda” (se é que essas palavras trazem algum sentido atualmente). Parece que alguns partidos, afastados há anos do poder, fizeram das tripas coração para retornar às cadeiras dos Executivos Municipais. O problema é que esse processo trouxe consigo ramagens de interesses conhecidos por todos, os quais, anos atrás, levaram diversas cidades ao limbo da estagnação desenvolvimentista. O que fica nítido é que o brasileiro é um ser imediatista acometido de um esquecimento crônico. 
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Ainda que muitos discordem, são nas Câmaras de Vereadores que crescem as novas elites políticas nacionais. Trata-se do seu útero. O que se observou é que pouca modificação houve em suas composições, mesmo que seja impossível nesse momento traçar um diagnóstico que perpasse todos os municípios brasileiros. O mais triste nesse sentido é que a “infantilização do voto” se fez presente também aqui: se os prefeitos são vistos como “pais”, os vereadores são vistos como “padrinhos”. O preocupante é que essa atitude não difere em nada daquela dos “mensaleiros” que estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Cada vez que um eleitor vende ou troca seu voto, surge um novo corrupto no Brasil.
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Em política, na ausência de enxadas utilizamos colheres. O que não vale é dizer que um unicórnio puxará o arado. Em tempo de campanha, isso até funciona. Mas a “Terra do Nunca” não passa de fantasia, ainda que o ser humano tenha a tendência a confiar mais na “magia” que na “realidade”. À parte isso, independente de siglas, desejo inteligência e comprometimento para todos os candidatos eleitos. Se a partir do dia primeiro de janeiro alguns colocarão em curso seus objetivos de campanha, outros colocarão na estrada sua vigilância e atenção com relação a tudo quanto será dito e principalmente feito: assim esperando, a vida segue.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Carta aberta aos(às) eleitores(as) de Santo Ângelo.

Senhores(as) eleitores(as).

Como algum(a) dos(as) senhores(as) certamente percebeu, na semana passada utilizei este espaço para publicar uma “carta aberta aos(às) candidatos(as) a prefeito e vereador(a) de Santo Ângelo”. Por conta de um desdobramento lógico, nesta semana publicarei outra “carta aberta”, desta vez direcionada aos(às) senhores(as) eleitores(as). Com a intenção de colaborar com o pleito que ocorrerá no próximo domingo, tratarei das principais funções do prefeito, das principais funções dos(as) vereadores(as) e, derradeiramente, abordarei alguns pontos que, penso, não servem de subsídios para a definição do seu voto. Dessa maneira, ciente do meu mirrado papel, seguem algumas humildes, apartidárias e idealistas considerações.

Em primeiro lugar, trato do prefeito. Dentre as principais funções do prefeito, que é o chefe do Poder Executivo Municipal, não se encontra o favorecimento de certos empresários em detrimento dos demais, não se encontra um “empurrão” para que qualquer pessoa seja favorecida em algum concurso público e não se encontra a concordância com ilegalidades praticadas por servidores(as) públicos(as) municipais, estaduais e federais. De outra forma, encontra-se o governo da cidade de forma conjunta com os(as) vereadores(as), a representação do povo na busca por melhorias, a reivindicação de convênios, benefícios e auxílios para o município, a apresentação de projetos de lei à Câmara Municipal, a sanção, a promulgação, o veto e a publicação de leis apresentadas pela Câmara, a intermediação política com outras esferas do poder, o zelo pela limpeza da cidade, promovendo a manutenção de postos de saúde, escolas e creches, bem como a administração e a aplicação de impostos (IPTU, IPVA, ITU) visando o benefício do município.

Em segundo lugar, trato dos(as) vereadores(as). Dentre as principais funções dos(as) vereadores(as), que são os(as) representantes do Poder Legislativo Municipal, não se encontra o pagamento de jantares, festas de aniversário ou de casamento, não se encontra a promessa de cargos ou Secretarias mediante pura manipulação eleitoreira e não se encontra o agendamento de consultas médicas para as pessoas mais necessitadas. De outra forma, encontra-se a feitura de leis que digam de interesses locais, a elaboração de decretos legislativos, resoluções, indicações, pareceres ou requerimentos, a fiscalização das contas do Poder Executivo Municipal, o zelo pelo bom uso do dinheiro público mediante a aprovação da Lei de Diretriz Orçamentária elaborada a partir de uma análise profunda do Plano Diretor do Município, bem como a representação da população local com a promoção de seminários, debates e audiências públicas que visem a conscientização cidadã fincada em parâmetros republicanos e democráticos com a intenção de que sua vereança sirva como caixa de ressonância aos interesses do município.

Em terceiro lugar, trato da sua escolha, senhor(a) eleitor(a). Assim, peço que não deixe que a promessa de uma escrituração de terreno defina seu voto, peço que não deixe que a promessa de um CC defina seu voto, peço que não deixe que uma cesta básica ou a “doação” de obras universitárias defina seu voto, peço que não deixe que pesquisas que apontam tal ou qual candidato para a “vitória” definam seu voto, peço que não deixe que a “cegueira ideológica” impeça que seu voto vá contra o partido pelo qual o(a) senhor(a) tem apreço, peço que não deixe que bom-mocismos feitos de sorrisos e tapinhas nas costas definam seu voto, peço que não deixe que a “ética da boa vizinhança” defina seu voto e peço que não deixe que o temor pelo seu emprego defina seu voto.

Pelo contrário, peço que vote de maneira consciente, peço que faça com que sua decisão não seja designada pela emoção ou pela rasa empatia, mas seja, de outro modo, definida pela racionalidade, pela honestidade e pela obrigação que o(a) senhor(a) tem de demonstrar sua preferência política não em nome dos seus interesses pessoais, mas em nome da sua cidade, depositando seu voto no candidato que julgar mais preparado para o exercício das funções de prefeito e vereador(a). Acima de tudo, senhor(a) eleitor(a), lembre-se que só existem corruptos se existirem corruptores – ou seja: a responsabilidade pela dignidade política do Brasil não é sua ou minha, mas é nossa.

Contando com seu comprometimento e coragem,

Eduardo Matzembacher Frizzo.

Santo Ângelo (RS), 4 de outubro de 2012.

P.S.: Tanto o texto anterior quanto este, foram publicados no Jornal das Missões, de Santo Ângelo (RS), com o intuito de contribuir com o pleito local. Embora algumas das suas linhas tragam considerações genéricas, foram postados aqui sem maiores pretensões.