Acordo com
um trecho de uma canção do Renato Russo na cabeça. Penso que deve ser bobagem,
coisa de gripe, enfim. Mas outras teias surgem. "Digam o que disserem / O
mal do século é a solidão / Cada um de nós imerso em sua própria arrogância /
Esperando por um pouco de atenção". Quieto, ainda sem saber o que dizer,
os amores líquidos do Bauman me surgem claros, plenos de aproximações e afastamentos.
Sem concluir coisa alguma, Erza Pound me assalta: "os artistas são as
antenas da raça". "Mas que raça?", me pergunto. "Raça do
coração?". Sorvo um gole de chá (mel, limão, camomila e canela), vejo a
fumaça grudando véus na tela do computador e coço a cabeça de sono vivo. Lembro
que tenho coisas para fazer nas próximas horas, que deveria estar no décimo
quinto sonho e sei que nada disso virá. Pior: estou bem. Supostamente as
tempestades acalmaram. Possivelmente o terreno do sentir se alinhou com minhas
expectativas de futuro. Mas o que quero do amanhã, eu que nem sei quem sou
agora? E o que quero do agora, eu que nunca soube quem fui ontem? Um uníssono
"não sei!" percorre minha espinha: de célula em célula, esse grito
parece úmido, grudento, cômodo feito um edredom macio. De repente, noto que
temer o vazio é o pior sentido possível: há que se abraçar e acariciar o nada
para que os dias tenham alguma luz. Dessa intersecção e nesse hibridismo tosco,
começo a desenhar os passos da terça-feira sem quaisquer pretensões de sucesso.
Todos sabem, afinal das contas, que desejo não é poder, mas palpitação em
frente ao espelho, mergulho no torvelinho da libido. Quanto a mim, que não
desejo nada além de quem sou, carregarei as horas de franqueza contínua: razão
trespassada pela lança do sentir. Só então saberei que minha arrogância se fez
madura, caiu do pé e possibilitou o nascer de uma nova planta, plena da vida
que sempre quis. Aí é que, absurdamente generosos, os caracteres dessas
frases farão alguma diferença distantes de "confessionismos" bestas.
O motivo? Do sucinto das tramas de palavras, brota aos poucos uma idéia qual
bloco de notas. Não mais me vale a birra pela birra e a discussão pela
discussão. Não mais me valem sequer proposições ou utopias sem eira ou beira. O
que me vale, a partir de agora, é a delicadeza da sensibilidade aliada a uma
consciência calma de tudo o que passou e tudo o que ficou. Dessa ilha sem
nacionalidade, desse lago feito de ondas, construirei uma nova cidade ao feitio
dos meus Legos dos sete anos. Peça por peça, encaixe por encaixe, ruas
desandarão em prédios e prédios darão lugar a florestas que existirão apenas
para mim. Tudo isso porque são os erros, gramaticais como óculos de lente
grossa, que constroem os maiores acertos que algum dia poderemos realizar. E é
nessa dança que Russo, Bauman e Pound ouvirão a "Milonga Borgeana" do
Jaime Vaz Brasil.
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