terça-feira, 3 de abril de 2012

Jam n° 16 (ou "Comentários sobre uma milonga").

Acordo com um trecho de uma canção do Renato Russo na cabeça. Penso que deve ser bobagem, coisa de gripe, enfim. Mas outras teias surgem. "Digam o que disserem / O mal do século é a solidão / Cada um de nós imerso em sua própria arrogância / Esperando por um pouco de atenção". Quieto, ainda sem saber o que dizer, os amores líquidos do Bauman me surgem claros, plenos de aproximações e afastamentos. Sem concluir coisa alguma, Erza Pound me assalta: "os artistas são as antenas da raça". "Mas que raça?", me pergunto. "Raça do coração?". Sorvo um gole de chá (mel, limão, camomila e canela), vejo a fumaça grudando véus na tela do computador e coço a cabeça de sono vivo. Lembro que tenho coisas para fazer nas próximas horas, que deveria estar no décimo quinto sonho e sei que nada disso virá. Pior: estou bem. Supostamente as tempestades acalmaram. Possivelmente o terreno do sentir se alinhou com minhas expectativas de futuro. Mas o que quero do amanhã, eu que nem sei quem sou agora? E o que quero do agora, eu que nunca soube quem fui ontem? Um uníssono "não sei!" percorre minha espinha: de célula em célula, esse grito parece úmido, grudento, cômodo feito um edredom macio. De repente, noto que temer o vazio é o pior sentido possível: há que se abraçar e acariciar o nada para que os dias tenham alguma luz. Dessa intersecção e nesse hibridismo tosco, começo a desenhar os passos da terça-feira sem quaisquer pretensões de sucesso. Todos sabem, afinal das contas, que desejo não é poder, mas palpitação em frente ao espelho, mergulho no torvelinho da libido. Quanto a mim, que não desejo nada além de quem sou, carregarei as horas de franqueza contínua: razão trespassada pela lança do sentir. Só então saberei que minha arrogância se fez madura, caiu do pé e possibilitou o nascer de uma nova planta, plena da vida que sempre quis. Aí é que, absurdamente generosos, os caracteres dessas frases farão alguma diferença distantes de "confessionismos" bestas. O motivo? Do sucinto das tramas de palavras, brota aos poucos uma idéia qual bloco de notas. Não mais me vale a birra pela birra e a discussão pela discussão. Não mais me valem sequer proposições ou utopias sem eira ou beira. O que me vale, a partir de agora, é a delicadeza da sensibilidade aliada a uma consciência calma de tudo o que passou e tudo o que ficou. Dessa ilha sem nacionalidade, desse lago feito de ondas, construirei uma nova cidade ao feitio dos meus Legos dos sete anos. Peça por peça, encaixe por encaixe, ruas desandarão em prédios e prédios darão lugar a florestas que existirão apenas para mim. Tudo isso porque são os erros, gramaticais como óculos de lente grossa, que constroem os maiores acertos que algum dia poderemos realizar. E é nessa dança que Russo, Bauman e Pound ouvirão a "Milonga Borgeana" do Jaime Vaz Brasil. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário