quarta-feira, 18 de maio de 2011

SERTANEJICES.

Não gosto do sertanejo universitário. Não é só pela música. O nome me parece impróprio. Quando ouço “sertanejo”, penso em violas e no Chico Mineiro. Quando ouço “universitário”, penso em livros e na Universidade de Coimbra. O que isso tem a ver com essas baladas que povoam as terças e as quintas da cidade? Absolutamente nada. Mas talvez eu seja o errado da história toda.

O que os caras do sertanejo universitário fizeram, foi juntar elementos do rock com alguns floreios de acordeon que aparecem de vez em quando. Além disso, pegaram alguma coisa dos ritmos baianos e latinos e jogaram no liquidificador. Pra arrematar, ao invés de escreverem letras de choro pela mulher amada, passaram a dizer que a fila anda e querem mais é curtir a vida. O resultado? Músicas que se grudam no ouvido e podem ser tocadas por qualquer violeiro de meia-tigela depois de um litro de whisky.

Claro que quando falo de violeiros bêbados, me refiro a essa gurizada que martela violões madrugada adentro. Não falo de músicos profissionais, os quais devem tocar essas coisas pra ganhar alguma grana. Já conheci um excelente guitarrista, fã do Pizzarelli, que se prostituiu numa dessas bandinhas com nome esotérico pra conseguir se sustentar. Com o tempo ele me disse que passou a gostar daquilo. Ficava feliz ao ouvir a Peluqueira. Mas acredito que esse gosto surgiu unicamente pra que o sujeito não sentasse uma bala no ouvido. Trabalhar com algo que se odeia é horrível. Como as pessoas conseguem? Não convém comentar.

O interessante de se falar, é que o sertanejo universitário quer dizer muito mais do que grita minha interpretação chata, estrita e até preconceituosa. No fim das contas, já que não pretendo me alongar em análises pseudo-sociológicas ou o que o valha, ele diz de certa liberdade afetiva dos jovens atuais. Se uma mulher deixa o camarada, aparentemente quinhentas outras mulheres surgem. Se um homem adorna a cabeça da moça com um par de guampas, a mesma coisa acontece. Isso não é ruim. O fato é que realmente a fila anda e as pessoas querem mesmo é aproveitar a tal da vida.

Mas será que essa é uma verdade? Acho que sim, mas em partes. Não consigo aceitar que essa coisa dos relacionamentos serem como líquidos que escorrem de um lado para o outro e nunca se fixam em algum lugar seja proveitosa para as pessoas. Em realidade, acredito que isso causa mais angústia que prazer. Há alguns anos desconfio que a razão das nossas existências esteja vinculada à arte e ao amor. À arte na medida em que sempre precisamos criar algo, seja filhos, cães ou livros. Ao amor, na medida em que sempre necessitamos amar algo ou alguém justamente para criar. Trata-se de um circuito fechado que delimita os contornos da nossa vida.

Se eu jogar essa minha desconfiança sonhadora na lógica das festas e mesmo das letras do sertanejo universitário, o que verei são pessoas negando uma melancolia por não conseguir realizar o que pretendem da vida em troca de uma superficialidade de pele e bocas. Não que eu seja contra isso. Gosto muito, aliás. Mas acontece que a juventude atual está parecendo tão, mas tão carente de propósitos seja no campo que for, que essa liquidez dos relacionamentos invariavelmente escorrerá para outros campos da vida. Conseqüências? Importa o momento, o efêmero, o prazer que tenho com o outro e jamais a própria existência do outro.

Talvez eu seja apenas o mesmo velho de vinte e cinco anos agora com vinte e seis. Esses dias, conversando com uns amigos, cheguei à conclusão de que as gerações atuais não acontecem mais de vinte em vinte anos, como no meio do século XX, por exemplo, mas se modificam de cinco em cinco anos. Se as coisas realmente são assim, é óbvio que estou completamente atrasado diante desse pessoal do sertanejo universitário. Mas quem sabe seja apenas birra. Tendo Matzembacher e Frizzo por sobrenomes, não se pode esperar nada diferente. Só pra tentar mudar de idéia, vou a alguma dessas festas da terça e da quinta pra ver o que acontece. O máximo que pode ocorrer é eu ficar mais chato ainda. Ficarei sempre com o velho e bom sertanejo-dor-de-cotovelo. Nada melhor que dizer que a mulher é uma ingrata, que devemos nos resignar com a tristeza da vida e que existem nuvens, lágrimas e litros de cerveja sobre todos os olhos. E pra deixar a coisa mais hard ainda, prefiro o Vicente Celestino acima de tudo. E era isso.

5 comentários:

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  2. Interessantíssimo post. Não é que o sertanejo universitário me irrite, e que seja contra essa onda de liquidez dos relacionamentos seja profissionais ou pessoais, apenas me assusta! Até gosto de algumas músicas do Luan Santana, o "boom" do momento, mas sei que as ouço hoje e amanhã simplesmente não as lembro. Isso me faz voltar ao velho rock antigo, a mpb do tempo de Caetano, músicas nativistas de raiz e ao sertanejo de viola. Essas canções irão sempre ser lembradas, são atemporais. Não julgo os talentos de hje, e até não digo que não sejam cantores, pois ganham muito mais que muita gente boa por aí, apenas esse sucesso dura pouco... Chegar de uma balada superficial (não que não seja divertida) e lembrar de minhas melancolias, passar tempo com pessoas e amizades que cultivo por muitos anos,não tem preço!

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  3. Muito interessante esse texto, Eduardo! Gostaria de fazer uma breve análise da questão da música e da cultura a partir de um ponto que ao meu ver entrelaça as duas: drogas. O blues nasceu no contexto do álcool. O jazz sempre teve forte ligação com a heroína. No período pós guerra, era moda as anfetaminas (que durante as batalhas tiravam a fome, o sono e faziam os soldados marcharem mais). Pois a chegada destas nos EUA acabaram ajudando a “turbinar” o blues, originando o rock and roll, que simplificando bem é um blues emboletado. Nos anos 60, a explosão dos alucinógenos deu origem a toda a onda psicodélica que durou até a primeira metade da década de 70, depois a moda foi a cocaína, por consequência trouxe para música toda a angústia presente nas bandas dos anos 80. Senhores, eu estou usando drogas e músicas apenas como dois elementos de comparação, o que estou querendo dizer é que a cultura está sempre entrelaçada com o seu tempo, por mais óbvio que isso pareça... Nos anos 90 e 2000, apareceram as drogas sintéticas, ecstasy, etc... E o que aconteceu? O boom da música eletrônica... Hoje em dia fala-se muito em crack... Ao menos aqui no Brasil. Volto a dizer: droga faz parte de uma cultura que está entrelaçada com todo resto. TODO, Senhores! Não há como separar uma coisa da outra. Pessoalmente, embora não tenha lá grandes preconceitos contra drogas, creio que o crack faz parte da cultura do lixo. Exatamente como o tal Sertanejo universitário. E nesse ponto que queria chegar. Estamos vivendo a cultura do lixo. Isso se dá no sertanejo, no rock, em todo o resto. Vivemos um momento de obscurantismo muito forte. O reflexo de uma cultura acaba sendo mais forte na juventude, mas ele está em todos nós. Os consumidores do lixo. Senhores, não sei se estou me fazendo entender. Não estou dizendo que cantores ou ouvintes de sertanejo universitário sejam consumidores de crack. Pelo contrário: é muita pomada o cabelo. O que quero dizer é que crack, Luan Santana, Universitários que se formam sem terem lido um livro na vida, todos fazem parte da mesma diarreia: a cultura do lixo. Esse é o tempo que vivemos. Não há como analisarmos a música, as drogas, o ensino ou seja lá o que for separadamente.

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  4. Haha! Disse tudo e mais um pouco, meu caro. Não é complicado compreender como pode o sertanejo universitário fazer tanto sucesso. Difícil mesmo é adivinhar quando esse sucesso vai acabar. Pois é uma moda, como tantas outras. Nada mais.

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  5. Gracias a todos, tanto pelas idéias potencializadas pelos comentários quanto pelo apreço das parabenizações. Hasta la vitoria siempre.

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