sábado, 14 de maio de 2011

NO CÔMODO DOS FUNDOS É JOGO DURO, MINHA GENTE!

O Brasil é injusto com a novidade. Não permite que seu sangue se renove. Prefere que as artérias entupam um coração que há muito deixou de bater desde que o corpo, petrificado pelo formol dos direitistas e dos pseudo-esquerdistas, aparente um sorriso pleno de coluna social. Esse nevoeiro sibérico logo é alcatrão, boca tapada pelo mofo, positivismo do pólo de uma pilha que nada alimenta a não ser a troca contínua e galinácea dos canais na televisão. O sol não passa de um número no calendário.

Nós, brasileiros, levamos tão à sério essa coisa dos carimbos, esse ranço de Coimbra e de acreditar que o melhor que nos pode acontecer é uma folha de pagamento com a insígnia estatal timbrada por baixo dos valores, que nada mais se move por aqui. O Brasil é um escritório. Suas cidades, repartições. Bem... pensando melhor, diria que repartições lá nos fundos dos fundos de um kitnet esquecido inclusive pela fiscalização, dada a insignificância contrastante com a arrogância mesquinha e ridícula ostentada por dois ou três bares da moda latentes nesses comodozinhos à cóccix. Mas, enfim, de alguma coisa devemos estar a salvo, nem que seja de pensar, de levar uma vida plena que exige uma ou outra crise existencial semanal. (Hum... começo a achar que temos sorte...) Paramos no tempo da máquina à vapor. Ou talvez tenhamos nos contaminado com o sonho dos vapores das máquinas que nunca tivemos. A esquizofrenia é a sinapse atrasada dos nossos neurônios.

Mas (é duro, minha gente) temos que fazer escolhas. Temos, segundo a Constituição, obrigação de eleger deputados estaduais, federais, senadores, governadores e presidentes (pra não falar em vereadores e prefeitos). Em princípio isso ocorre em função da liberdade, da consciência de si que encharca as células independente da cerveja que tomam ou dos professores caolhos que tiveram na escola ou na universidade. Essa liberdade, voz formalmente expressa nos botões da urna, dita o futuro do país, o amanhã das esmolas e a regra de três dos juros bancários que consumirão um pouco mais o fígado de todos nós, como se vestíssemos a farda de Prometeu do nascimento à morte. O Olimpo de ontem é o esgoto de hoje financiado pela Caixa.

Escolhemos (?!) o quê? Empunhamos bandeiras, admiramos discursos, esbravejamos em mesas, bares e almoços de domingo, quando parentes, amaciados pelo álcool, esquecem um pouco da futilidade das suas existências, jargões preparados por cima das mais lustrosas bancadas de vidro, onde marqueteiros, como corvos, bolam estratégias de luzes e cores para adocicar (perdão pelo momento Beto Barbosa) a curra geral e consentida que afetará o pão que comemos e a camisinha que usamos. A beleza é privilégio dos bisturis.

Publicamente, há sempre aquela esperneada protocolar ou ao menos a possibilidade irônica, débil e quase inútil disso. Se debochamos, somos barrados. Se denunciamos, multados. Nossa escolha está entre ser criado no pátio de casa e habitar um escritório que consumirá nossa libido pelo resto dos dias, ou ser criado na rua e habitar o fundo das grades de qualquer presídio que por certo nos matará antes dos trinta, dando fim a toda e qualquer angústia política, psicanalítica, econômica e futebolística que porventura nos afetaria no futuro. Ser livre é segurar um garfo sem dentes. O julgamento sumário é o índice das nossas línguas travadas pela autocracia jurisdicional brasileira. A Justiça é uma cafetina em crise hormonal.

Talvez estejamos certos em conservar o cadáver brasileiro em um altar ungido de civilidade e bem-estar, onde senhoras, dominadoras da arte da combinação de cores entre bolsas e sapatos supostamente originais, tomam chá promovendo banquetes beneficentes, onde senhores de bom crédito contratam prostitutas por celular para marcar encontros em suas caminhonetes à diesel ou em algum apartamento que seu calote na Receita proporciona pagar, e onde, nas periferias, nos bairros que se querem centro para apenas crescer envoltos na absurdidade das semanas, propagam-se religiões e mais religiões que não ligam ninguém a nada a não ser ao medo chuvoso e receoso da verdade recheada pelo bônus dos dízimos, como um suposto pai prestes à abrir o exame de DNA do filho que lhe é um completo estranho. Nunca choramos pelos outros: sempre choramos por nós. É aí que entra Deus. O pão é a muleta de toda teologia. Compartilhamos o medo em migalhas no poço do desespero.

A massa sabe do que falo. Mas não sabe que é massa. Julga-se singular quando suas aspirações são coletivas. É só o movimento de uma frustração caudalosa e brocha. O frio da distante Rússia, o calor do ensolarado Grand Canyon, consagrados pelo conservante que ainda exala da pele de Lênin e do mefistófilo espírito de Marshall, permanecerão como perfeita amostra do que somos: peitos medrosos, vidas medianas, amores higienizados, ambições amputadas, sexo contabilizado, e, acima de tudo, empanturramento, fastio que enche nossas tripas com vento rarefeito, ar da estupidez das nossas possibilidades de escolha. A lucidez é o mal dos suicidas e a bênção da tranqüilidade.

Assim é que o novo é crime e não se trata de tatuagem do Brasil, mas de cicatriz do planeta. O mundo, aliás, já acabou. Mas não merece manchete. Os juros provêm da sustentação de um alicerce há muito corroído. Isso é que nos dá esperanças. A dívida foi saldada, mas seu reflexo, espelho defronte espelho, eternamente deflagrará a culpa em nossos corações: não somos o país de qualquer amanhecer, não somos um planeta privilegiado pela bondosa mão de qualquer Deus. Somos animais semi-pensantes que sofrem na auto-ilusão da procriação. Talvez nessa prodigalidade é que se encontre nossa grandeza limitada pelo acaso do nascimento, pela dor dos ossos que crescem e pela amnésia completa que será a sucessora do luto pelo nosso fim: bandeira preta que durará o tempo de um cigarro. Da consciência dessas palavras, escassa e bela, surgirá uma tímida felicidade feita de asfalto e silício. O mais é a verdade morta no olhar dos cães. Nossas escolhas são testes de uma experiência mal-sucedida. O resto, lixo. A pena é saber que vale a pena. Só quem gosta de sofrer consegue viver.

Eis nosso contentamento: única consciência furtada de auto-engano.

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