Informação não substitui cultura. Cultura não substitui conhecimento. Conhecimento não substitui organização. Por quê? Simples: ramos não substituem buquês. Tudo é questão de olfato. Por conta disso, cada qual tem sua versão do mundo. Provar minha tese é fácil: leia dez rótulos de vinho. Quem concorda com as supostas sensações lá descritas? A ordem do mundo é o caos. Importa saber se estamos construindo uma nova Babel a partir de um planeta ou de uma nave espacial. Ou será que o planeta é uma nave espacial? E melhor: até que ponto uma nave espacial não pode se tornar um planeta?
Possibilidades e potencialidades: liberdade e disposição – talvez sejam as únicas virtudes que não se percam no interesse. Mas qual possível liberdade e qual potencial disposição podemos ter em uma realidade castrada de imaginação e preenchida com “utilidades”? O monopólio do real leva invariavelmente à arrogância. Não importa uma estrutura libertária, mas sim uma liberdade de estrutura: isso é tudo o que não temos quando em resposta a qualquer busca que fizermos, o Google nos traz anúncios publicitários que, em tese, proporcionam a gratuidade da nossa busca. Mas não existe nada gratuito. Alguém sempre paga o pato. Se a publicidade implica na possibilidade de venda e todos somos de algum modo vendedores e de todo modo consumidores, o custo dessa gratuidade de uma ou de outra forma reverterá para nós.
Como nos contentamos com ramos, a passividade é o único passo. Buquês estão fora de cogitação quando o aroma do papel dá espaço ao hermetismo dos bytes. Tudo é questão de abstract, indexador, hiperlink. Resumos de resumos de resumos. A profundidade não é mais profunda desde Deep Throat. O único blog verdadeiro desapareceu com a Grécia Antiga. Isso daqui é um eco. Cá estamos, impossibilitados de parar pela hipotermia que seria consequência do gelo fino no qual patinamos. A velocidade é o contraponto do humanismo. A Era da Informação não busca entendimento, mas comunicação. A vulgata do english tem uma só tradução: this is the end. Falta-nos nostalgia porque nos falta imaginar. Falta-nos utopia porque nos falta um futuro distante dos alucinógenos.
Temos muito que construir desde que possamos pensar
Queremos o excesso porque nos falta a percepção do escasso. Queremos o escândalo porque falhamos ao perceber o trivial. Empacotados no virtual, mais vale o MSN à uma mesa de bar. Românticos são ultrapassados quando a música destrói a possibilidade de qualquer conversa – por isso as baladas abalam a intimidade longe da objetificação, a qual é apenas a convivência de solidões em motéis mais do que baratos. Essa felicidade pobre é o resultado das nossas escolhas perpassadas por possíveis liberdades condicionadas pelo ganho e potenciais disposições globalizadas pelo consumo.
Quando Gaia virou Terra, nossa força vital se perdeu. Zumbis auto-proclamados, chicoteados no incessante sadomasô dos outdoors dos gozos que recalcamos e desaguamos na fatura dos cartões, interessa-nos uma calota neon – nada mais. Mas o crédito um dia acaba. Daí talvez compreendamos a cultura da informação, o conhecimento da cultura e a organização do conhecimento. Quem sabe aí percebamos que um buquê não é o mesmo que um ramo e que um ramo pode ser muito mais que um buquê.
Se a ordem do mundo é o caos, apenas do caos é que brotará o novo, reconhecido pela solidão indevassável, pela insignificância cósmica e pela consciência total de que, apesar de vivermos como sonhamos – ou seja: sós, como disse Conrad – tudo é porvir quando “planeta” for sinônimo de “espaçonave”: Babel de diferentes mas iguais, pois mortais. O vinho então terá outro sabor nada afeito à rótulos, desapegado de um Morfeu de Hades mas irmão de um Apolo de Dioniso. Só a tragédia liberta o riso na proporção do inevitável.
Moral cinéfila: 2010 não foi o ano em que fizemos o contato. Mas ainda podemos escolher entre a pílula azul e a vermelha. Só assim veremos o cão de Dogville. Ou não.
Eduardo,
ResponderExcluirNão concordo com vc, qdo escreve:"Falta-nos nostalgia porque nos falta imaginar. Falta-nos utopia porque nos falta um futuro distante dos alucinógenos."
O ser humano sensato possui o livre- arbítrio!
Abs,
Eunísia
E se o caos morar bem no centro, na praça central daquilo que chamam alegria? Engessa a vida essa fome de felicidade, de vida estável, de carro na porta, metas estruturadas e futuro traçado. O caos é a vida correndo na direação incerta.E isso não é tragédia, é potência.
ResponderExcluirBjs
Saudades
Eunísia: A nostalgia é o sonho do passado. A utopia é o sonho do futuro. Falta-nos imaginar um passado. Portanto nos falta criar um futuro. Um humanismo redivivo, provido de bases plenas de finitude, talvez seja o caminho. Enquanto ele não existir, nossa liberdade será transcendente e não transcendental. Logo, será precária.
ResponderExcluirGlória: O caos é o reconhecimento da potência da tragédia.
Voltando!
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