terça-feira, 28 de dezembro de 2010

C'EST LA VIE.

Roberto Bolaño me olha da estante. Calhamaço de mais de mil páginas. “2666”. Esse é o nome do livro. Fiquei muito feliz quando encontrei ele na Feira do Livro de Porto Alegre desse ano. Mas como começar a leitura com esse calor? E pior: como escrever o capítulo que falta da minha dissertação de mestrado com a pressão baixa? É uma tarefa pra lá de complicada. Quanto mais pelo fato de estarmos no nefasto mês de dezembro.

O Günter Grass também está ali. “Nas Peles da Cebola”. Comprei motivado pelo fantástico “O Tambor”. Recomendo inclusive o filme de 1979 com a direção do Volker Schlöndorff. Mas confesso que li só umas dez páginas. Simplesmente não rolou. Deu algo como um estranhamento. Como saber que aquela deusa morena que você queria tanto ao seu lado não usa o desodorante adequado. Um amigo me contou isso esses dias e fiquei estupefato. É impressionante como o mínimo pode nos destruir.

Vejam essas bactérias que existem por aí. As indústrias de limpeza ganham rios de dinheiro dizendo que temos de estar com a casa limpa e tal. Eu mesmo, no apartamento em que morava há algum tempo atrás, tinha a mania de fincar detergente em tudo quanto é canto. Dos ácaros, se não me livrava, ao menos perfumava. Mas o irritante é que essa coisa de bactérias sempre vai perseguir a gente. E não será como uma pulga atrás da orelha. Ao contrário, será como um milhão de pulgas andando por todo corpo. Da coceira jamais nos livraremos.

Por falar em coceira, esses tempos resmunguei que escrever coça. Hoje isso me parece uma contradição em termos, embora a frase até funcione. A realidade é que escrever não é tão difícil quanto dizem. As pessoas é que estão muito presas a certos recalques imaginários e assim tentam copiar fulano e cicrano nas suas linhas, o que as torna chatas pra caramba. Quanto a minha chatice, ela é até registrada em cartório, como há muito afirmo. Mas apesar de carregar uns respingos do Quintana, umas manchas do Nassar e uma grande vontade de ir tão fundo quanto a Hilda Hilst, creio que essa voz que agora se faz letra provém da minha garganta e só dela.

Um desses teóricos de plantão poderia reavivar aquela máxima de que nada se cria e tudo o mais. Também diria que na atualidade a profusão de vozes é tanta que é impossível identificar um autor. Em dias de racionalidade extrema, até concordaria. Mas hoje só posso dizer que isso é uma frescura tremenda. Afinal das contas, suando aqui no inferno de Santo Ângelo nessa época do ano, sou um autor sim – de carne, osso, palavra e possíveis pontos finais. Quem duvidar que me visite ou me convide pra não fazer nada. Assim até minha barriga se torna mais real nessa protuberância de jundiá que me legam os vinte seis anos que conto.

Mas se escrever coça, viver arde. E se viver arde, devo dizer que possivelmente vivemos chorando por aí. Mas talvez hoje eu diga isso porque me sinto uma ameba semi-pensante com a pressão lá no dedão do pé. Tudo bem. De deselegante, minha cara de alemão agringado que sofre com a testa empapada de suor basta. Conseqüentemente, nenhum Bilac me encarnaria agora, com raiva dessas festanças de fim de ano e louco pra que o inverno chegue de uma vez.

Falando nisso, desvelo uma tese: gaúcho não suporta o calor. Quem sabe seja um erro universalizar isso, mas não me importo. Gaúcho não suporta o calor porque até tomar chimarrão sua. Gaúcho não suporta o calor porque é ótimo se gabar que temos um inverno europeu por aqui, ainda que várias vezes faça um frio de renguear cusco. Por essas e outras que quero junho, julho e agosto novamente. Quero que esses meses, se não me trouxerem algo útil, ao menos me façam consumir os melhores vinhos possíveis. Com eles virá o Baudelaire, o Rimbaud, aquele pessoal brasileiro que dizem ser ultra-romântico e tudo o que pode estar nessa leva. Só assim entenderei essas senhoras que saem no centro com guarda-chuva preto pra tapar a moleira do sol da Marquês.

Convenhamos que é muito mais elegante usar camisa e blazer do que ficar torrando nesse verão. Por isso só sou o Eduardo no inverno. Esse sujeito que agora está se passando por mim, é um simulacro. Se copiaram de maneira chula o Platão lá no “Matrix”, que dirá eu no verão de Santo Ângelo. O calor derrete até as sombras. E é impossível haver sinceridade com tanta pele exposta. Ser sincero exige recato. Ou no mínimo uma boa dose de compostura, algo impossível nesse mormaço. O objetivo agora é só um: sobreviver até o inverno. Nada mais. Mesmo assim, um ótimo 2011 aos meus poucos leitores, ainda que eu jamais saiba ao certo o que quer dizer esse “ótimo” e quanto mais o que diz esse “2011” – e dos leitores, então, o que sei?! De certa, só minha preguiça de dezembro – talvez um bom auspício para o ano que virá. “C’est la vie”, como dizem os franceses com aquela adorável petulância. Era isso, meu povo.

3 comentários:

  1. E eu aqui pensando: O que seria do Eduardo se meu plano de sequestro não fosse tão falho, hein?...o que diria?

    por ora, estou no frio e chove la fora....rá

    um beijo.

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  2. É de admirar alguém que se aquece com o frio do inverno.

    abraços....

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  3. que quer dizer 'renguear cusco'? biblioteca boa a sua. conseguiu ler o 2666? bjos e ótimo e 2011.

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