quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O PROGRESSO DA PERMANÊNCIA.

A estrutura latifundiária brasileira pouco se modificou no decorrer de toda história do país. Informações do Censo Agropecuário de 2006 realizado pelo IBGE, demonstram que no Brasil existem cerca de 329 941 393 propriedades rurais, sendo que deste total 7 798 607 tem menos de 10 hectares, 62 893 091 tem entre 10 e 100 hectares, 112 696 478 tem entre 100 e 1000 hectares e 146 553 218 tem mais de 1000 hectares, de onde se vê que propriedades com grandes extensões de terra ocupam mais de 43% da área cultivável do país, restando às pequenas propriedades 2,7% do total. Comparando-se esses dados de 2006 com o Censo Agropecuário realizado em 1985, nota-se que naquele ano havia no Brasil cerca de 374 924 421 propriedades rurais, das quais 9 986 637 tinham menos de 10 hectares, 69 595 161 entre 10 e 100 hectares, 131 432 667 entre 100 e 1000 hectares e 163 940 667 mais de 1000 hectares, do que se percebe que entre 1985 e 2006, as propriedades rurais de grandes extensões reduziram sua área em pouco mais de 10%.

Parece inevitável pensar que diante desses dados o Brasil necessita de uma política séria de Reforma Agrária. Apesar da grande imprensa nacional alardear as ocupações do MST como atos de terrorismo, de maneira alguma, no meu entendimento, essas ações podem ser classificadas como tais. Se o Art. 186 da Constituição fala que a propriedade rural deve velar pela sua função social e o Art. 3°, inciso I, diz que a sociedade brasileira deve ser pautada pela liberdade, pela justiça e pela solidariedade, as ações do MST por meio de ocupações e demais manifestações são plenamente legítimas, isto porque traduzem o apelo a transformações sociais necessárias por meio de reivindicações de um movimento popular.

Mas não se pode negar que muitas vezes existem excessos por parte de alguns integrantes do MST, os quais merecem punição. Também não se pode esquecer do fato de que certas pessoas se agregam ao movimento simplesmente por terem interesse em terras sem jamais ter trabalhado no campo. Mas em um país onde a própria estrutura latifundiária é consequência de séculos de opressão ao pequeno trabalhador rural, o MST se mostra como um movimento democrático e justo pela distribuição de terras e consequente possibilidade de trabalho àqueles que estão à parte da estrutura social brasileira. Se hoje existe um “inchaço” urbano nas médias e grandes cidades do país, o qual encontra a falta de estrutura como uma das suas principais razões devido ao déficit habitacional, a falta de saneamento básico, a insuficiência de vagas de trabalho bem como ao analfabetismo, muito disso é efeito reflexo do fato de que durante o Regime Militar, por exemplo, centenas de famílias foram expropriadas de suas terras em razão de ações unilaterais do Estado, tendo de se dirigir para os grandes centros em busca de trabalho e sobrevivência. Uma das consequências sociais disso está na crescente criminalidade nas cidades brasileiras.

Quando todo esse cenário brevemente traçado é somado ao fato de que o Censo Agropecuário de 2006 também revelou que mesmo ocupando um total de 24,35% da área cultivável do país, a agricultura familiar responde por 38% do valor bruto da produção brasileira – o que significa que nessas terras são cultivados 1/3 de tudo o que é produzido no Brasil, mesmo que elas ocupem menos de 1/4 da área destinada para a produção agrícola do país –, a necessidade da Reforma Agrária parece ser ainda mais urgente, já que demonstra o importante papel ocupado pelas pequenas propriedades no cenário nacional, o qual certamente contribuiu para os recordes de produção no campo atingidos nos últimos anos pelo Brasil. Com certeza um movimento de massa como o MST traz consigo problemas que se encontram também em todas as camadas sociais brasileiras, como a violência irracional e o apadrinhamento de certos partidos e políticos em busca de votos nas eleições. Mas sonegar sua vital importância democrática é sacrificar a própria possibilidade de transformação social em prol de uma ideologia secular que faz toda lei sucumbir diante de interesses privados.

Como disse Luis Fernando Veríssimo, desde a saída da primeira missa do Brasil todos são a favor da Reforma Agrária, só que dentro da lei. O que acontece é que apesar da Constituição Federal proporcionar vislumbres do Paraíso com “justiça”, “liberdade”, “solidariedade” e “função social”, não diz dos meios de alcançá-lo, papel este que deveria ser assumido pela legislação infraconstitucional. Mas quando essa legislação se perde em labirintos legais que proporcionam reducionismos canhestros por parte do Judiciário, o que permanece é uma interpretação hegemonicamente hipócrita da sociedade brasileira diante desse assunto. Se Canudos foi destruída legalmente no início do século passado pelas tropas federais, sendo que hoje essa ação é vista com repudia, é possível que as próximas gerações enxerguem com a mesma repudia o atual pensamento brasileiro dominante sobre a Reforma Agrária. O que fica é uma apatia cômoda fundada em uma cultura plena de um individualismo patrimonialista que favorece sempre os detentores do poder econômico e político. Se a única Reforma Agrária efetiva que ocorreu no país foram as Capitanias Hereditárias distribuídas entre os invasores europeus, pouco importa. Se prevalecem as grandes propriedades de terra nas mãos de poucas pessoas e empresas, mais interessante é esquecer disso.

No Brasil o que vale é o progresso da permanência.

5 comentários:

  1. Definitivo:"O progresso da permanência",não só no Brasil,mas aqui na cidade como vens escrevendo na coluna.Isso aí.Bonito o layout.Parabéns!

    http://oficinamissoes.blogspot.com/2010/12/romeu-e-os-pombos.html

    ResponderExcluir
  2. O problema é que nossa sociedade é formada basicamente por “cidadãos de bem”, que tem como base o pensamento de que existe uma ordem (embora ele não saiba exatamente qual) que precisa ser mantida. Daí jornal nacional, Fantástico e coisas do gênero. Apoio todos os movimentos sociais, principalmente os que utilizam a violência para atingir seus fins. A “tal ordem” não será mudada enquanto esse assunto for tratado por velhos engravatados fumando charutos. Não podemos confundir democracia com conversa fiada. O status quo está aí. Não será modificado pelo congresso...

    ResponderExcluir
  3. Um outro lado dessa questão é a educação: as crianças e adolescentes, quando existem escolas no assentamento, possuem somente uma realidade a vislumbrar. Objetivo da educação é preparar as crianças para o mundo, para a convivência em sociedade. Ou seja: apresentar o mundo em sua totalidade e não com uma única visão. Uma boa práxis pedagócia deve partir da realidade e não atrelar-se a ela. E com o tempo, nos assentamentos, temos crianças e adolescentes cada vez mais fechados ao diálogo. E isso se reflete em ações que visam buscar uma reforma agrária justa, mas que acabam por serem transformadas em atos de violência.

    ResponderExcluir
  4. Sabe aquela:..." Brasil, mostra a sua cara. Quero ver quem paga pra a gente ficar assim?... Brasil, qual o seu negócio?"

    Pois é...

    Goosto daqui!

    ResponderExcluir