domingo, 7 de novembro de 2010

Jam n° 1.

Não existem avenidas aos meus pés.
Existem faces que desfiguram a profusão das ressacas,
das ondas abanando o amanhã em cada aresta de pedra,
confundindo ontens ressequidos de orquídeas
apenas porque o roxo é a cor dos cadáveres
e das flores que te dei naquela manhã de outono.

Vês o que fizeste de mim? Sou um papel sem valor.
Sou o rosto envelhecendo aos poucos nas prateleiras das repartições,
enegrecido pelo carimbo bem-vindo de algum advogado,
de algum contador que porventura queira o número da minha matrícula no trabalho,
do meu RG e CPF, e, se calhar, também do CNPJ
daquele negócio que abri e que não deu certo
porque não era para dar certo,
enquanto os sóis do Universo giram sua rosa despedaçada,
sua ciranda elétrica e sem propósito,
e eu, se a noite desejar, apenas deito aos 25° graus dessa quinta-feira,
inerte de mim e de tudo,
querendo que o mar longínquo seja mais que miragem,
mas não tendo ao redor nada além do suspiro inconfundível
da falta de sentido de um anseio,
de uma lágrima,
de um rancor para consigo que não passa de medo do mundo,
de rádio que conta histórias para crianças
e explicações que nada explicam afora seu egoísmo.

Parti-me em dois, em três, em mil,
e quando dei para juntar as partes
e enfim compor um espelho,
era tarde demais.

Sobraram réstias de sol na sala,
paredes ventiladas de prosopopéias e versos interrompidos.
Uma angústia latente querendo ser peito
e as coisas sem nexo daquilo que sou revolvendo meu estômago,
meus pulmões,
meu sexo prenhe de vidas que não serão.

Não acredito em Heidegger e muito menos em Strauss.
O incesto é a razão de ser.
A interdição não é natural.
As coisas não são as coisas fora do olhar que pousamos nelas:
e o olhar esvai ao primeiro toque
e ao primeiro amor adolescente
que borda poemas nos meus pêlos de dez anos atrás.

Hoje, aos vinte e seis, magro como não deveria,
olhar entre a calma e o desespero,
solfejo enciclopédias
e escrevo meu epitáfio como quem toca um oboé sem jamais ter visto um oboé,
mas ainda assim deseja uma linha de sax em noites de New Jersey.

Um comentário:

  1. Oi!
    Vi que você estava seguindo meu blog, resolvi passar aqui e.... meu Deus! Que achado!!

    Lembrei de uns versinhos que escrevi em 2008 (e achei aqui no computador):

    "E se fragmento-me em instantes, estes não têm volta. Então me perco aos poucos, a cada baque de razão ou irracionalidade que me apresentam um outro lado, uma outra face, um novo sentimento e mais ilusões,
    imaginações
    palavra que relativiza até a relatividade.
    E ainda não me decidi se acredito
    na cabeça (e daí se abrem possibilidades)
    ou nos olhos.
    Mas sou tão míope
    e talvez tão louca
    (segundo meu histórico familiar)
    que prefiro não acreditar em nada
    e sigo assim
    vivendo,
    morrendo,
    sentindo...
    ...sofrendo."

    Claro, modificaria algumas coisas, enfim, me empolguei!
    Gostei muito do blog e das palavras! Quando quiser conversar, me mande e-mail: marianatgalvao@gmail.com

    Ah....Prazer!

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