No Brasil, o que é público
existe para ser privado e o que é privado existe para não ser visto pelo
público ao menos que dê seus ares no BBB. Por notar isso, Maluf é o grande
visionário da política brasileira. Sem sonegar personagens antecedentes, Maluf foi
quem melhor compreendeu a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da
indolência e a cultura negra da magia que fazem o homem latino-americano ser o
que é. Maluf é como o Cérebro do Pink, com a diferença de que, ao invés de
querer dominar o mundo toda noite, decidiu se aproveitar da moralidade
brasileira para engordar seu patrimônio. Antes de qualquer alucinação
antropológica à Darcy Ribeiro no sentido de que aqui se daria o nascimento da
grande novidade do século XXI, uma espécie de "Nova Roma" tardia e
tropical com a mestiçagem atiçando o estopim da criatividade para o mundo, essa
moralidade sustenta a existência social de gatos burocráticos (ou não) que
furtem o respeitável cidadão nacional de cumprir com quaisquer das suas obrigações.
Diferentemente
da Europa e mesmo da parcela pensante dos Estados Unidos, aqui não vale a
racionalidade bem construída, o pensamento coeso e a crítica consciente. Aqui
valem a sabedoria de boteco e o academicismo egoísta, o cultivo de nativismos
caolhos como se fossem a forma mais avançada do que se convencionou chamar de
“cultura”, e o sorriso desdentado daquele que foi sodomizado na sexta e no
sábado já esquece de tudo pelo futebol na tevê. Longe do senso de coitadice
generalizada que sempre disse que somos umas crianças exploradas pelos países
ricos na soma zero dos proveitos recíprocos, ou do papão do neoliberalismo que
é o estandarte da esquerda na consagração da razão de todas as mazelas existentes,
Maluf compreendeu que é impossível se livrar do mercantilismo patrimonialista,
com seus monopólios estatais, suas burocracias corruptas, seu fiscalismo
predatório e seu clientelismo político que fazem a América Latina ser isso daí.
E
não adianta sentar a ripa no clientelismo, por exemplo. Todos se emborracham
dele pelo menos uma vez na vida. O latino-americano há tempos perdeu as ilusões
da grande reforma social que lhe daria próteses dentárias, motéis gratuitos e a
inexistência do SPC. Se os da esquerda se contentam com discursos que dilatam
as veias do pescoço com delírios bolivarianos de igualdade e justiça, os da
direita criticam tudo aquilo que pode fazer o pobre menos pobre e dizem que a
cadeia é a solução final, e os do centro usam do conforto da vaselina para
passar suas costas de mão em mão na suruba isonômica do Brasil, o que resta são
os benefícios que se pode tirar de algum conhecido político que descole uns
cargos aqui e ali para juntar alguns quinhões burocráticos que permitam a aposentadoria
aos quarenta e a compra daqueles comprimidinhos que aliviam o correr dos anos
para o macho dos trópicos.
Por conta disso e muito mais que nem a Biblioteca de Alexandria ou
o Google dariam conta de organizar, Maluf merece todos os aplausos pela aliança
recentemente firmada com Lula. Os políticos brasileiros, como disse esses dias
um daqueles senadores embolorados pelo mofo das bancadas, são os “pais da
pátria”. Se eles são os “pais da pátria”, nós somos os "filhos pátria", embora a substituição e a subtração de algumas letras da palavra “pátria” diga
mais sobre o brasileiro que ele possa imaginar. Como bons "filhos da pátria",
como iríamos questionar as intenções dos nossos "pais" pela mera desconfiança
rançosa diante das suas folclóricas boas intenções para com seus rebentos?
Em um continente onde predominam representações cheias de
diatribes político-sociais, truculentos ufanismos e deploráveis bairrismos
nacionalistas ou não, como é o caso da arrogância dos gaúchos ao achar que o
que vem do Rio Grande do Sul é simplesmente melhor, nada de diferente pode
existir sob pena de esquizofrenia e choques elétricos no café da manhã. Apesar da aliança de Lula com Maluf nos causar indignação, ao menos aquietará o susto
daqueles que, não tão acostumados em dar as costas para seu amante, ainda
resistem à predestinada escolha do buraco que lhes foi prometido e sentenciado
quando a Certidão de Nascimento e o RG lhes impingiram a simples denominação de
“brasileiros”.
Se Maluf não é o cara, é ao menos a cara de todos os caras
e caras que existem no Brasil, mesmo que essa cara, se não estiver na Caras,
tenha de se contentar com um radinho de pilha, com a novela das oito e com um
grito de “mengo!” empalado na garganta.
E o Lula? O Lula é o carinha. Ainda tem muito que aprender.
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