Existem mulheres e mulheres. Existem
homens e homens. Se as pessoas fossem iguais, que graça teria a vida? Toda
pureza é burra. Toda pretensão de superioridade é besta. Boa é a pluralidade. Boa
é a diversidade. Legal é você gostar de Godard e conhecer alguém que detém
vocação apenas para “Velozes e Furiosos” – e mesmo assim, por um motivo ausente
de quaisquer explicações (pra quê explicar uma emoção?), sentir algo mais que
empatia pela cidadã. Alguns falarão que “afinidade estética” é fundamental. Eu
rebaterei: não necessariamente. Já vi casais completamente antônimos em seus
gostos que se davam às mil maravilhas. Do mesmo modo, conheci casais praticamente
iguais (livros, filmes, músicas, profissões, manias pra dormir: tudo,
absolutamente tudo igual) que viviam em pé de guerra. A única regra da atração
é a ausência de regras.
O estranho é que nos quesitos
“atração” e “relacionamento”, temos uma sede e uma fome de regras e receitas
que beira o ridículo. Quem nunca ouviu a seguinte frase: “homens são de Marte e
mulheres são de Vênus?”. Me falaram, inclusive, que se trata do título de um
livro – o qual de maneira alguma quero ler. Quem nunca folheou uma Cláudia (a
revista, não as geografias corporais das “Cláudias” espalhadas pelo mundo – as
quais me interessam bem mais que a revista) e leu: “o Universo Feminino blábláblá”?
E quem jamais se deparou com a expressão “Universo Masculino”? Para mim, o
único Universo possível é o Universo que habito. Os demais, ou são paralelos
(ao melhor estilo Stephen Hawking) ou são lengalengas criadas por marqueteiros
com o único intuito de encher sua cabeça de porcarias.
Mas o pior de tudo isso, é que
você identifica claramente as mulheres adeptas de “práticas mulherzinhas” e os
homens abobados em “discursos homezinhos” – aqueles que a VIP lança todo mês,
por exemplo. O Facebook é um terreno fértil para proceder com tais pesquisas.
Geralmente a moça que se filia à “mulherzinhices”, recheará seu mural com
coisas como: “solteira sim!, sozinha nunca”; “homens ligam, meninos mandam
mensagem”; “batatinha quando nasce se esparrama pelo chão (...) – Caio F.
Abreu”; etc. (ad infinitum). Por outro lado, o rapaz que se quer “homezinho”
irá abarrotar seus posts com imagens de carros, “humor troll”, fotos que dizem
“olha!: pego todas!” ou trechos de músicas da seguinte estirpe: “eu bebo sim! /
e tô vivendo / tem gente que não bebe / e tá morrendo – Velhas Virgens”. O que
isso quer dizer? Muita coisa. Contudo, calma!: não sentarei a ripa em ninguém. “Cada
um faz o que quer, pelo menos penso assim”, já falava o Xirú Missioneiro. Mas o
que questiono é: por que as pessoas não buscam uma autenticidade ao invés de
vestir a primeira “capa de personalidade” que lhes oferecem – e que geralmente
detém matizes “fofuxas” ou “masculinérrimas”?
Tal fenômeno quem sabe tenha
relação com algo que denominarei a partir da sigla VM – isto é: “Vício
Manualesco”. O VM está em todos os lugares. Queremos manuais pra tudo. Quer
enriquecer? Tem manual. Quer se suicidar? Tem manual. Quer reconquistar sua ex?
Tem manual. A contemporaneidade traz consigo uma tendência que busca uma total
“economização da vida”. “Que diacho é isso?”, perguntará algum leitor.
Respondo: somos de um tempo no qual se crê que tudo pode ser medido em
estatísticas e que receitas/regras para se conquistar o que quer que seja
efetivamente existem e funcionam. Quem duvidar da realidade do VM, olhe a lista
de livros mais vendidos da Veja (aquela revista semanal de piadas). Ou ligue a
televisão e veja programas como aquele em que homens passam numa esteira
(dessas de supermercado) para serem “escolhidos” por mulheres que tem de
“conquistar” em alguns minutos (como se fossem caixas de sabonete ou garrafas
de cerveja, os rapazes). Como o povo gosta disso? Não sei. Só sei que o
resultado pode ser visualizado na “Mulher Samambaia”: a “coisificação do humano”
(processo pelo qual a pessoa se torna coisa).
Por isso tudo é que a cada dia me
torno mais chato. Cansa você conhecer pessoas que ao invés de buscar uma
autenticidade na vida, querem apenas a segurança de uma boa profissão que lhes
garanta um consumo elevadíssimo vida afora e carteira adentro. Cansa você
conversar com indivíduos que não sabem debater, mas somente esgotar a garganta
em monólogos que de razoáveis não tem nada. E cansa mais ainda a “tendência
água com açúcar” que tentam nos enfiar goela abaixo em livros ao estilo
Nicholas Sparks – como se a vida pudesse se esgotar nas “fofuras” de um romance
de bordas tão adocicadas que parecem favo de mel (amor é “(500) dias com ela”, não
“Querido John” – isso pra ficar nas recentes plagas cinematográficas). Então
afirmo: não existe “Universo Masculino”, não existe “Universo Feminino”, não
existe um manual de regras/receitas para qualquer coisa na vida, não existem
pontos certos para nada. A existência repousa na diversidade, a vida só é vida
na pluralidade e a certeza só é certeza na dinâmica da construção/desconstrução
inscrita em cada segundo.
Temos que parar de buscar fórmulas
pra tudo. Temos que parar de rotular as pessoas. Temos que buscar a
autenticidade tatuada em nossos silêncios e os amores mais improváveis que
cruzam conosco em cada esquina. Precisamos celebrar a incerteza. Precisamos da
aventura do caos. Chega de medo. Chega de “cagaços de descer ladeira abaixo” –
como aquela música do Paralamas. Não existe “mulher ideal”. Não existe “homem
ideal”. O que existem são pessoas plenas de qualidades e defeitos que procuram
a felicidade em todas as horas de suas vidas. A “economização da vida” e a
“coisificação do humano” constituem processos totalmente ausentes de
sensibilidade/humanidade e completamente apegados a sensos patéticos/reducionistas
que buscam uma síntese da vida em 140 caracteres (como no Twitter). E se
“filosofar é aprender a morrer”, como disse Montaigne, a única maneira de
superarmos essas etiquetas que querem grudar em nossos traseiros é uma
consciência plena disso.
Chega de “celebrar a estupidez
humana” – como cantou Renato Russo. Busquemos algo real. Quanto mais autênticos
formos, mais chances teremos de alcançar alguma felicidade. (Se a pessoa quer
viver de rótulos e modismos, ótimo!: todos detêm o direito de pegar carona numa
“Highway to Hell” e achar que isso é excelente. Mas que ao viver dessa forma,
ao menos detenha noção do que está fazendo, pois liberdade só é liberdade com a
consciência da escolha que implica.) Vamos abandonar os manuais. Percebamos que
a beleza não reside apenas em “love songs” de “sertanejos new generation”, mas
também nos versos da Hilda Hilst. Vivamos na busca de novos livros, novos
filmes, novas canções e novos amores. Não somos salsichas!, não somos produtos nascidos
em uma linha de montagem! Morte aos padrões! Morte ao VM! Abandonemos caminhos
que nos disseram únicos, que nos disseram certos, que nos disseram sem retorno.
E mais do que tudo, vamos abrir nossas mentes e corações para a celebração da
vida e da incerteza, já que é aí e só aí que encontraremos o pulsar do Universo
contido na beleza de cada instante da existência.
Haha, muito bom o texto. As vezes acabo ficando bem mais chato que qualquer um por ver que quase todas as pessoas que conheço tem essa VM. Um desanimo de tentar encontrar alguém que já tenha percebido que não existe um mundo, mas "Cada cabeça é um mundo" como na canção do Raul Seixas.
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