Ela surgiu do nada. Pediu carona e entrou no
carro. Disse que queria sexo. Disse que queria pó. Beijou a boca de cerveja de
cada um. Desceu as mãos pelas suas virilhas. Uma nota de cem apareceu. Ela
soletrou S-I-M. O carro arrancou. Mas quando as coisas tomariam a forma da afirmação,
ela, Vênus miserável, soletrou N-Ã-O. Um deles falou que aquilo não era certo.
Ela queria sexo e pó. Tivera sexo e pó. Então ela tirou peça por peça e virou
de costas, faca sangrando tatuagem do ombro. Um após o outro, o que fora
prometido foi consumado dentro do acerto feito. Mas depois? Depois ela dormiu.
Decerto havia cheirado, bebido a noite toda. Decerto, como execrada do divino,
sua paz era um sono de cabelos negros. Um foi embora. O outro ficou. Estava
preocupado. Olhava pra ela e pensava que ela poderia morrer. Morrer num motel é
algo digno pra quem vive de camas. Mas era algo digno para ela? Quando ela
acordou, disse que queria um moto-táxi. Não queria carro. Assim acabou. Sexo infeliz
e ruim. Entrega afirmativa entregue à madrugada tresloucada. O que ficou foi a
sujeira no corpo, na cama, na consciência e no fato de que a prometida nota de
cem não chegou ao bolso dela. Ele, que ficara preocupado com ela e observara
cada fenda do seu corpo enquanto ela dormia, logo desceu as escadas, abriu a
garagem e também foi embora. No caminho, parou em um posto, comprou uma
cerveja, ligou Atahualpa Yupanqui e pensou no campo. Na sua frente cruzou uma
catadora de lixo. Perguntou se ele não tinha nenhuma lata pra ela. Ele esvaziou
a cerveja no chão e entregou a lata. “Deus o abençoe”, ela falou. Com sede
mas sem vontade de cerveja, foi pra casa. Fez chimarrão. Sentou na sacada. O
que fora daquela noite? Sexo infeliz e ruim. Entrega afirmativa entregue à
madrugada tresloucada. Melhor teria sido ficar em casa ouvindo Piazzolla. Nada
mais normal pra quem um dia esteve na faculdade de música. No outro dia teria
que cortar o cabelo, fazer a barba e ir trabalhar às oito da manhã. Era bom?
Não. Mas não era ruim. Era melhor que aquela Vênus expulsa que surgira do nada
e entrara no carro. Era melhor ter os papéis organizados, os telefones dos
clientes em dia e tudo perfeitamente em ordem, do que gastar por gastar em algo
que nada lhe trouxera. Mas ela surgira do nada. O que se pode esperar? Sexo, pó,
álcool e conversa sem nexo. Pessoas aqui, silêncio por debaixo dos postes e
algum gato branco subindo as escadarias da Catedral. Seria o caso de ouvir Tom
Waits ao invés de Piazzolla? Tinha mais a ver. Voz rouca, blues desconstruído,
baixo roubando tons e guitarras tomando o espaço do campo de um antes que nunca
existira fora da sua idéia de campo, fora da sua idéia de palheiros, cavalos,
cachaça e gado bichado. Campo do qual até chegara a falar, mas com notas que
hoje lhe envergonhavam. Não se constroem tradições com metáforas. Tradições são
ecos de mitos. E se a Vênus, miserável ou não, execrada ou apenas convidada a
sair do divino, chegasse a se tornar mito, o outro dia seria melhor e todas as
fórmulas se tornariam suportáveis. Afinal, ela surgira do nada. E é do nada que
surgem os mitos. Sexo, seja infeliz, ruim ou cultivado de vícios, ainda é sexo,
explosão que antes do Cosmo ser Cosmo fecundou estrela por estrela. Mas ele não
fecundara nada. Gozara no chão. E dela escorria algo vermelho, amarelo, marrom.
Doença? Talvez, mas não vêm ao caso. Interessa que entre o S-I-M e o N-Ã-O, a
futilidade tomara a forma da sua afirmação. Mais que isso, seria pedir demais.
A hora de dormir, ouvidos recheados de prazeres infecundos, logo chegaria. E ele
queria dormir na cama do motel, rememorando aqueles cabelos sebosos, aquela boca
molhada, aquela vagina sem pressa e aquela língua de preguiça quente. Pegou
o carro, perguntou se o apartamento fora limpo e responderam que não. Dormiu na
sujeira do corpo, da consciência e do fato de que a nota de cem não chegara ao
bolso dela. Era sua reconciliação com papéis, telefones e clientes. O sono, como
ela, pegou carona, surgiu do nada e desceu as mãos pela sua virilha.
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