sexta-feira, 29 de abril de 2011

Desintitulado n° 25.

Comunicação sem compreensão é mudez. Monólogos de personas que se colam à face. Machê que impossibilita a morte e o recomeço, trancafiando a expectativa do sonho na sordidez da moralidade. A beleza transcende qualquer padrão. Interessa a geometria das formas e o valor da carne entrosada à sua temperatura. Mas o silêncio impera à porta de certos olhares, esperando uma palavra para que tudo desabe e renasça novamente. Quando virá essa consciência? Quem respira mentiras não é capaz de inventar nada. Devora a si mesmo instante por instante, mastigando momentos como promessas e dúvidas. O desejo não deixa espaço. Fome de fome. Cria do criar. Não preenche: apenas quer. Alguém suportará o convívio? Só volta a si quem encontra seus próprios personagens. Tudo é questão de picadeiro e cenário. A lona é o fim que deixa uma pequena margem para o mastro e as estrelas. Não há rotação. Há inércia, senso de continuidade, flecha sem pontaria, horizonte de um túnel que desmorona assim que cruzamos. O looping dos espelhos seduz. Mas o rosto se perde e a imagem não identifica: distorce. Então falamos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

DEGRADAÇÃO, MEIO AMBIENTE E OBSOLESCÊNCIA.

Diante da comoção nacional com os assassinatos ocorridos no Rio de Janeiro, algumas imagens passaram despercebidas pela imprensa. Exemplo disso são os retratos de moradores das Filipinas praticamente submersos em lixo, petróleo e água na busca do que restara das suas casas destruídas por um incêndio que deixou mais de três mil desabrigados no dia sete. O impacto imediato causado por essas cenas remete a uma visão clara acerca de dois componentes básicos do sistema socioeconômico atual: a degradação ambiental e a obsolescência programada.

Apesar de alguns setores da sociedade defenderem que fenômenos como o aquecimento global consistem em manifestações naturais e cíclicas do planeta, dados provindos de estudos sobre o degelo das calotas polares comprovam o contrário. O fato da poluição das águas ser uma constante que ameaça o abastecimento global nas próximas décadas, igualmente endossa a tese de que a degradação ambiental é que está promovendo tantas e tamanhas mudanças no panorama mundial, afetando principalmente populações de baixa renda.

Fala-se que políticas governamentais conjunturais estão sendo propostas para a resolução desses problemas. Mas quando se percebe que se por um lado o Governo Dilma defende a produção maior do biodiesel e por outro canta aos quatro ventos a riqueza representada pelo pré-sal, nota-se que essas políticas estão mais no plano formal que material, desfazendo-se em discursos que agradam aos ouvidos mas de modo algum deixam o papel e se transformam em realidades efetivas.

As próprias empresas, supostamente comprometidas com a responsabilidade social, utilizam-se do artifício ecológico em campanhas de marketing sem fim. Mas o nítido é que a responsabilidade social corporativa vê os problemas pelo retrovisor. Isto é: quando um desastre ambiental tal qual o ocorrido no Golfo do México acontece, é contra, mas quando nenhum efeito nefasto da degradação do meio ambiente pode ser percebido de imediato, o que há é um cruzar de braços afeito a preocupações artificiais.

O que potencializa esse cenário é o consumismo desenfreado que se embrenha por todos os cantos da vida contemporânea. Nenhum produto é feito para durar porque simplesmente não interessa que sua durabilidade seja alta. É necessário que o ciclo de reposição e inovação seja perpétuo, mesmo que a diferença entre um celular de hoje e de seis meses atrás seja mínima. Uma sensação do fugaz e do provisório perpassa tudo o que é produzido pela indústria, algo necessário para que ela mesma consiga alicerçar seu crescimento nesse sistema.

Em uma época onde bem se podem suprir todas as necessidades dos habitantes do planeta, o que não é feito unicamente pela precária distribuição de renda global, existências sustentadas nesse paradigma tendem inevitavelmente ao fracasso. O individualismo sem limites, a busca pela satisfação de um prazer que torna as pessoas meros objetos para o gozo, constroem uma sociedade doente, cujos sintomas são facilmente percebidos em ocasionais massacres que acontecem pelas escolas do mundo ou por imagens de seres humanos imersos em dejetos industriais, como no incêndio nas Filipinas.

Alternativas a esse modelo socioeconômico existem. A degradação ambiental e a obsolescência programada promovidas pela economia atual podem ser superadas. Mas a possibilidade de mudança passa pela necessidade de uma reprogramação social de grande porte, o que certamente não ocorrerá em um curto espaço de tempo. O que fica disso é somente uma antevisão do desgosto que os seres humanos do futuro terão em relação a nós. Certamente perguntarão: como vocês não fizeram nada se sabiam dos problemas e sabiam também como resolvê-los? Quietos, olharemos para o lado e veremos nossas histórias empilhadas em lixões, descartáveis como os prazeres que compuseram o que chamávamos de vida e principalmente de sucesso.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

HAMLET, ATO V, CENA II.

A vida é feita de alguns momentos de euforia e muitos momentos de marasmo. Alguns se agarram ao trabalho, outros às paixões. Mas todos tentam preencher o vazio de existir com o escasso líquido de alguma felicidade. Certa vez alguém disse que o que importa é viver pelo próximo. Mas alguém se preocupa com as suas preocupações quando você pega um ônibus lotado ou cruza ombro a ombro por centenas de pessoas no centro da cidade? Todos estão tão absortos em seus problemas que simplesmente não tem tempo para pensar nessas coisas.

Acontece que a tristeza se acumula. As interdições, sejam pequenas, nas quais nos privamos de comprar algo para investir no futuro, ou grandes, onde abdicamos até mesmo do prazer em razão de uma obsessão qualquer que tinge nosso cotidiano com tintas absolutamente absurdas, dia ou outro irão romper o dique da nossa teimosia e recalque. Quando isso acontecer, pode ser tarde demais. “Mas tarde demais para o quê?”, perguntará alguém. A resposta é simples e completamente manualesca: tarde demais para tentar ser feliz.

Por isso não acredito que alguém possa ser feliz sozinho. Acredito menos ainda que liberdade tenha a ver com solidão. Isso não se relaciona com viver pelo próximo, mas em conviver com o próximo que se ama sem qualquer restrição supostamente corajosa. Se liberdade tivesse a ver com solidão, não teríamos sequer porque reclamar alguma liberdade, já que a liberdade sempre supõe algo ou alguém que nos priva de alguma liberdade. A liberdade plena é a ausência de corpo. Essas liberdades homeopáticas atrás das quais corremos vida afora, abrindo mão de tantas coisas e tantas pessoas que poderiam nos fazer felizes, apenas irão destroçar pouco a pouco as veias do nosso coração.

Mas ninguém tem culpa disso. As coisas simplesmente acontecem. Mentir para si é muito pior do que mentir para os outros. Falar a verdade de si para os outros é algo extremamente corajoso. Mas essa verdade falada, quando se trata de liberdade e de busca pela felicidade, sempre é comprometida com o momento da fala. Quanto mais liberdade se quer, mais medo se tem. Quanto mais coragem dizemos que carregamos, menos possibilidade de liberdade trazemos conosco pela razão simples de que ser livre não implica ser corajoso, mas apenas afirmativo.

A coragem está para a negação, a liberdade para a afirmação. Quem é corajoso, nega algo para tentar afirmar algo. Quem é livre, afirma algo para tentar afirmar a própria liberdade. Falar que é necessário passar por privações, sejam psíquicas ou materiais, para atingir objetivos, dizendo também que isso é um ato de coragem, é algo extremamente falso. Quando, posicionando expoentes aos fatos, o ânimo se direciona somente para um alvo, extinguindo todas as outras possibilidades, não se trata de falsidade, mas da ante-sala da loucura. Se fosse falso apenas com relação àqueles que ouvem essas palavras, não haveria problema. Mas o fato é que também é falso com aqueles que proferem essas palavras. A felicidade jamais terá a ver com uma negação, sob pena de viver enclausurada em uma camisa-de-força imaginária.

Se o desejo pela liberdade implica na existência do medo, a conquista da liberdade somente se dará com a aceitação irrestrita do medo. Essa aceitação é uma afirmação. É necessário afirmar o que tememos para nos libertar do que sofremos. Mas essa afirmação, se barrada por qualquer tipo de interdição, dará ao indivíduo que deseja a liberdade a ilusão de coragem, considerando-se que é justamente essa ilusão que fará desse indivíduo uma pessoa que jamais encontrará a liberdade que pretende pelo que ainda resta da sua vida.

Somente a afirmação liberta. A graça da vida não está em buscar graças além da vida. Entre a euforia e o marasmo, a afirmação de ambos é que levará nossas pretensões em direção ao rumo que desejamos. Qualquer interdição, qualquer negação no caminho para a liberdade, qualquer trejeito ou palavra fantasiada de coragem, surtirá sofrimento futuro. Ainda que para se viver seja necessário gostar de sofrer, a afirmação do sofrimento e da liberdade como condições para a felicidade totalmente desvinculada de qualquer negação ou interdição, de qualquer obstáculo à paixão, é a única possibilidade de se alcançar o que se quer sem frustrar aos outros e principalmente a si mesmo.

Ser livre é sempre dizer “sim!” ainda que o mundo grite “não!”. Mas se nosso “sim!” nos privar de quem ou daquilo que amamos, de quem ou daquilo que nos motiva paixão, arte e amor, ele já não será um ato afirmativo, mas uma negação: portanto uma coragem que se quer única e certeira quando em realidade apenas nos faz prisioneiros das suas grades supostamente feitas de algodão. Sem interdições ou privações, com a aceitação plena do que se sente e com a porta aberta para a paixão e para a criação, esboçando na face uma afirmação que não negue corpo e mente, é que seremos felizes. Do contrário, poderemos até alcançar aquilo que desejamos. Mas chegará o dia em que tudo o que conquistamos será pouco diante do que perdemos. E então, finalmente cientes dos nossos erros, diremos nosso primeiro “eu te amo” franco, com os olhos plenos de paixão pelo início, de amor pela existência e de uma criatividade serena marcada pelo eterno desconhecido que somos. Mas será tarde e então morreremos frustrados.

A razão da existência está no que vaza dos poros. Nada mais. Isso é ser livre, desde que a paixão, o amor e a arte sejam a constante das nossas artérias motivadas pelo amor que sentimos pela vida e pela paixão que direcionamos ao outro. Tudo muda, tudo se transforma. O único ponto final é a perversão da mudez edificada pela morte. Enquanto houver palavras, sempre haverá possibilidades. Enquanto houver encontros, trocas, caminhadas, tudo detém a chance de um rumo diverso. Negar isso é negar a vida. E negar a vida é afirmar que não merecemos viver pelo simples fato de que não afirmamos a própria existência em atos de amor e paixão condicionados pela criação eminentemente humana daqueles que somos.

Amemos. Criemos. Deixemos a paixão escorrer sem medo. “The rest is a silence.”

Basta.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Desintitulado n° 23.

O vazio não é o nada. O vazio um dia esteve. O nada jamais estará. O fim é o começo da lembrança. Só a finitude permite a memória. Por mais que ela oprima, revolvendo tempos idos em presentes fatigados pela areia que passou, é a condição do criar. E isso, junto com os dias que nunca vivemos, é o que importa, já que a verdadeira morte, como disse o Pessoa, é o momento não vivido. Por conta dele, sorrimos. O “ficar bem” passa a ser um sol amanhecido, entrando lento e aquoso pelas frestas da veneziana, atordoado pelo prazer da alma ser só carne. O amor é como a ferrugem: apenas rói o que certa noite queimou. O amor só existe no passado. Somente a paixão é presente.