quarta-feira, 29 de agosto de 2012

SETE BREVES CONSIDERAÇÕES PARA UM ANO ELEITORAL: PARTE PRIMEIRA.

Um dos maiores problemas do nosso tempo foi diagnosticado há décadas por Nelson Rodrigues: vivemos uma época em que "os medíocres perderam a modéstia".
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Nunca, jamais, em hipótese alguma, darei crédito ou levarei a sério quem diz e repete aos quatro ventos que os únicos e certeiros "inimigos do povo", "culpados por todos os males do Brasil", "que merecem uma latrina como cama", são os políticos e ninguém mais. Vale o mesmo para aqueles que pensam em direitos humanos ao melhor estilo Datena - bem como para aqueles outros que lêem uma notícia no site do Projeto Portal (entenda-se: ET Bilu, aquele com voz de criança sacana) e acham que aquilo é "real". Razões? A vibe desses senhores e tantos mais é exatamente a mesma. Costumeiramente são os arautos da moral e dos bons costumes, devotos de um dogmatismo caolho.
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"Sou anti-PT", "anti-PMDB", "anti-ISSO", "anti-AQUILO": que coisa mais irritante gente que vive falando coisas assim. Já eu, penso que bom mesmo é anticoncepcional.
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Seguinte. Pessoa inventa uma bandeira - geralmente com traços de "bom moço". Em seguida, torna suas cores uma espécie de roupa. Veste esse tecido em todos os momentos, enchendo a paciência de qualquer cidadão que cruzar na sua frente. Discursa, debate, participa de "movimentos sociais" (com vinculação partidária óbvia e interesses particulares mais claros ainda) e se diz "preocupada". Tenho visto muito disso pela cidade desde a metade do ano passado. Qualquer coincidência com o ano eleitoral não é mera coincidência.
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Estamos na época dos slogans sonolentos. "Fulano é a cara da juventude", "Cicrano é a voz do campo e da cidade", "Beltrano é aquele que fará mais e melhor". Sem contar nas inúmeras canções like a San Marino que surgirão nesse meio tempo. Pois olha. Com tantos candidatos feios, com tantos aspirantes a vereador que nunca viram um boi na frente e com tantos políticos que não sabem a diferença entre argumento e pedantismo, tenho mais é que rir. Mas o que acho mais engraçado (mesmo) é o look das fotos de campanha: quase nunca de terno, sempre de camisa, geralmente com cara de Chuck Norris bondoso (e bem sucedido) ou de senhora que freqüenta a Casa da Amizade pra tomar chá com as amigas. A onda é aparentar ser "um cidadão de bem" - no sentido mais frígido e sem graça do termo. Falta tesão na política.
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Sempre desconfie de alguém que diz que "ama sua terra". Geralmente, mesmo que existam exceções, essa pessoa confunde "terra" com aqueles algodões nos quais as crianças plantam pés de feijão nos jardins da infância. Ou seja: é tudo descartável, seja qual for o norte ou o embasamento do discurso. E mais: sempre desconfie dos chatos de plantão com discursos monocromáticos. Tudo o que se expõe em apenas uma cor tende direta e totalmente à cegueira - e pior: a propostas carentes de qualquer utilidade pública.
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Aposta/profecia: "Ai se eu te pego" será a base para os jingles políticos mais utilizados em 2012. Ou será que o "tchu tchá"? Tipo: "Eu quero Fri / Eu quero Zzo / Eu quero Zzo / Zzo, Zzo, Zzo / Pra vereador!".

Pronto. Perdi a oportunidade de me candidatar.

18 + 10 = 28 (NOTAS SOBRE 17 DE AGOSTO DE 2012).

17 de agosto de 2012: completo vinte e oito anos. Mas digo: não gosto de festas de aniversário. Não gosto de gente cantando em minha homenagem. No máximo, um trago com os amigos e olhe lá. Mais que isso seria demais. Pra quê compartilhar com os outros minha troca de idade? Eles certamente sentirão um prazer mórbido em cantar “parabéns” pra mim. Já repararam isso? O que você faz quando cantam “Parabéns pra você”? Fica lá, com aquela cara de tacho, sem saber o que falar. O que é mais correto: cantar junto e bater palmas (feito uma foca no cio) ou ficar rindo pra todo mundo e rangendo um “obrigado” entre os dentes amarelos? Simplesmente não sei. É muito constrangimento.

Deve ser por isso que detonei meu aniversário de cinco anos. Sim, essa é uma história real. Meus pais resolveram fazer meu aniversário de cinco anos no Clube Comercial aqui de Santo Ângelo. Era a época áurea do clube e até acho que meus pais eram da diretoria. Pois bem: naquela época – sim, podem rir! – eu era fã do Rambo. Pra quem me acha ridículo hoje, isso será um prato cheio, pois o fato é que eu chegava a andar pela Marquês com uma fitinha do Rambo na testa. Podem imaginar isso? Não sei, mas é verdade. Voltando ao assunto, meus pais decidiram fazer meu aniversário de cinco anos no Clube Comercial. A temática, claro, seria o Rambo. Por minha escolha. 

Minha mãe alugou trocentos quadros do Rambo pra pôr nas paredes. Fez bolo com cores militares e tudo o mais. Eu achava os militares o máximo. Hoje quero distância disso. Tanto é que nem cheguei a servir o exército. (Ainda bem.) Mas não vêm ao caso as razões. O fato em si é que uma penca de gente foi convidada pro meu aniversário. Crianças e adultos e tias solteironas com presentes relacionados ao Rambo pro Eduardinho. Eu, claro, estava vestido à caráter. De Rambo. Mas quando vi aquele monte de gente chegando, comecei a ficar agoniado. Olhava pros lados, via aquelas fotos intermináveis de um cara que parecia um ogro musculoso e simplesmente não sabia o que fazer. Minha reação? Corri pro banheiro e fiquei lá trancado, chorando. 

Sim, minha gente. Meus pais fazem uma festa tri legal pra mim, gastam uma baita grana e o xarope do Eduardo se tranca no banheiro do Clube Comercial sabe-se lá porquê. Meu avô e minhas tias tentaram e tentaram me tirar de lá. Lembro que eu gritava. Lembro que eu dizia: “não quero sair! não quero sair!”. Chegou uma hora que saí, claro. Não recordo das condições dessa progressão de regime. Sei apenas que encarei aquele pessoal com olhos molhados, meio constrangido com a tira vermelha do Rambo na testa e ouvi um “Parabéns pra você” ser cantado logo em seguida. E qual era o fundo? Um disco da Xuxa! Eis a origem, dirá algum psicanalista de bar, de todo meu ranço com relação ao “Parabéns pra você”. 

Mas estão todos errados esses sujeitos que formulam hipóteses sobre minha fobia. Mal desconfiam eles que minhas razões são mais profundas. Saberá alguém que minha Tia Débora me deu aos quatro anos, quando eu tinha uma asma terrível, um exemplar daquela história dos três porquinhos? Garanto que ninguém sabe. Lembro inclusive que quando eu tinha cinco anos, sofri um acidente de carro no qual quase morri. Quebrei meu queixo e estourei a jugular. Me salvei por conta dos meus pais e do Dr. Renato Kettner. Enquanto estava no hospital, minha tia pá e tá fazia uns mingaus de maisena pra mim. Eu adorava aquilo. Daí ela, que tinha uns dezesseis anos, falava da Grécia Antiga enquanto eu estava lá, deitadão na cama do hospital, todo podre. De algum modo, a Grécia Antiga sempre terá cheiro de mingau de maisena pra mim. 

Até aí beleza. Mas o que isso tem a ver com o “Parabéns pra você”? Absolutamente nada. Não lembro de nenhuma história mais de “Parabéns pra você” satânico. Na verdade, apenas falei essas coisas porque os anos realmente passam e a gente mal percebe o quanto fica velho e velho com o correr dos meses. Agora pouco, duas e tanto da manhã de quinta-feira, me olhei no espelho e me senti um senhor. Um senhor de vinte e oito anos. Isso quer dizer alguma coisa? Com certeza não. Mas o fato é que senti. E tudo o que eu sinto quer dizer alguma coisa. Afinal, senti. Então existe. 

O que falar ao final? Sempre acabo qualquer texto curto com sete parágrafos, mesmo que não tenha cumprido essa promessa nas últimas colunas. Mas é coisa antiga. Então é necessário cumprir o ritual, já que semana passada, por exemplo, isso não se deu. Um sacrilégio! Mas parece que já falei tudo. Parece que meus dedos esgotaram os assuntos e apenas querem sentir o Miles Davis que o computador chia. Falarei sobre o quê? Preencherei linhas como? Poderia apenas digitar vogais. Ou poderia somente digitar consoantes. Mas vou por um caminho novo. Vou revelar meu maior medo pra esse ano que logo findará. Sabem qual é? A Simone lançar um novo CD de natal. Isso sim seria um prelúdio nefasto para o fim do mundo em 2012. Nenhum deus (com “d” maiúsculo ou minúsculo) suportaria aquela voz de gata engasgada sem pensar em demolir nosso planetinha. 

Portanto, tomemos cuidado.

LIVE AND LET DIE.

Não existem ironias da vida. A vida é uma ironia. Você olha pro céu. É noite. Vê uma porção de estrelas. Quando não sabe o que são, acha bonitas. Cria verruga no dedo apontar pra uma. Liga “Lua Cheia” do Papas pra namorar aos dezessete. Tudo lindo, romântico, Sparks. Mas depois descobre que essas estrelas provavelmente não existem mais. É a luz que viaja zilhões de quilômetros e encontra seus olhos. Elas estão mortas. O céu se transforma numa máquina do tempo. Um cemitério de sóis violentos, o que talvez torne tudo ainda mais belo. Mesmo que cruel. 

Quando tive Biologia na escola, me ocorreu algo parecido. Lembro que a professora falava em “Teoria Criacionista” e “Teoria Evolucionista”. Na primeira, Deus criou a vida. Na segunda, somos parentes dos macacos. Nunca consegui ligar a primeira com qualquer coisa que pudesse se chamar de “teoria”. Quanto à segunda, achava muito interessante. E angustiante. Mas quem sabe tudo o que é interessante seja angustiante. A angústia é uma porta para a autenticidade. Quando você está perdido, geralmente se encontra. Ou afoga suas mágoas em qualquer coisa que faça sua mente esquecer de esquecer de esquecer. Algo assim. 

Mas pensa no take: nasce, cresce, morre. Entre o “nasce” e o “morre”, o “cresce” é que faz toda diferença. Nele tudo acontece. Sexo, vinho tinto, macarrão à bolonhesa e paranóias pra dormir. Tudo reside aí. Tudo o que você deixará além do pó no chão, farelos do seu corpo decomposto, está aí. Lembrança naqueles com os quais conviveu? Provavelmente. Um livro, um disco, um trabalho que por acaso fez? É possível. Mas qual o sentido disso tudo? Estará contido apenas no “cresce”? No amadurecimento das laranjas que, de tão maduras, caem e apodrecem em vermes ao sopé do pé? Ironia, muita ironia.

O estranho é que pra vida ser irônica, teria de ter um narrador que assim a fizesse. Do contrário, o termo não serviria. Talvez não sirva. Não há qualquer evidência de narrador. Ao menos até o momento. Vejamos o tempo, portanto. Detém a perspectiva do sujeito: o cidadão sente seu transcorrer. Detém a perspectiva naturalista: o tempo existe antes de você sentir seu transcorrer. Qual é a mais válida? Diria que ambas. Mas real, cruel e violenta como uma mulher berrando TPMs, somente a natural. Antes mesmo de seus pais transarem e nove meses depois você nascer, o tempo estava aí. No primeiro milionésimo de segundo após o Big Bang, o tempo passou a existir. E o passado do tempo? Não existe: não há tempo. 

Fato é que tudo é muito estranho. Esses dias, um camarada largou essa num churrasco: “imagina se tem gente nos observando lá do céu”. Respondi que ele andava assistindo muito Big Brother. Ele retrucou: “pode até ser, mas sempre há a possibilidade”. “Sempre há a possibilidade”: essa frase ficou girando na minha cabeça. Possibilidade de vida pós-morte, possibilidade da validade da “Teoria Criacionista”, possibilidade de que, em duas horas, eu escreva o romance que venho matutando há anos – e que é até agora somente um matutar. Sempre existem possibilidades. Mas e realidades? Não sei. Talvez seja também uma possibilidade e vivamos na Matrix. 

Quanto mais estudo, mais asno me sinto: confissão. Quanto mais sei, menos sei que sei: outra confissão. Quanto mais vivo, menos sei o motivo de fazer tudo o que faço: terceira e última confissão. Invejo pessoas plenas de objetivos. Sabe aquele sujeito que parece realizado após passar num concurso? Pois é. Invejo ele. Mas também me atrevo a dizer que esse senso de realização da criatura é uma capa. Uma rolha. Cobertura de nega maluca abatumada. Lá na massa do bolo, a coisa não é bem assim. Existem furinhos. Furinhos de vazio. Furinhos de nada que você nem percebe ao mastigar. Mas estão ali, ponteando seus dentes, estalando mínimos e audíveis somente pra ouvidos de pastor alemão. Essa é a verdade: pra suportar o vazio, cobrimos sua presença com outra, negando a ausência que nos constitui. 

Assim é que o niilismo não me parece algo sem nexo. Niilista é aquele que diz que não há mais nada a não ser o nada. Tudo se equivale a nada. Não há peso, medida ou INMETRO. Nenhuma metafísica se sustenta, nenhum valor detém contornos reais. Tudo? Que nada!: nada. Mais ou menos isso. Mas quem sabe essa seja a mola propulsora de tudo que talvez possamos construir. A partir do momento em que você sabe desse nada, vê que tem todo um mundo pra trazer à tona. Pode se sentir mal, inicialmente. Pode se desesperar, amansar crises na cachaça, certamente. Mas depois desse momento, algo de autêntico se instalará. A angústia precede a autenticidade. É normal. Algo como você tomar um pé na bunda, passar por dias de choro em pleno Carnaval e sair, noites depois, renovado e feliz disso tudo. Vai saber se no fundo não é disso que fala toda “corno music”. 

“O Guaíba esverdeou”, diz a manchete da Zero. “Grandes coisa!”, resmungo ao derrubar café no piso branco. Deixe que as algas trabalhem. Deixe que eu escreva. Deixe que as estrelas permaneçam mortas, belas em seu brilho. Deixe que escutem Papas pra pegar a moça de dezessete. Deixe que carros voem no quebra-molas na frente da minha casa. Deixe, simplesmente deixe. Preocupações? Claro, existem. Projetos? Devem estar sempre presentes. Do contrário, entoaremos o mantra idiota do “carpe diem” dia após dia. Mas enquanto tudo desmorona e eu mesmo morro um pouco a cada hora, pensando na vida, no Universo e tudo o mais, meu lema será: LIVE AND LET DIE. Cruel? Pode ser. Mas não mais que tudo. Não mais que a ironia de existir. E ainda assim saber: não existe jeito ou maneira das coisas serem mais belas. Esse é meu humor. Essa é minha conclusão.