domingo, 31 de outubro de 2010

Desintitulado n° 10.

Se um assassino queima na cadeira elétrica, é justiça. Se um fazendeiro mata ladrões de galinha, é defesa do patrimônio. Mas se alguém se arrisca a dizer a verdade, é burrice. A mentira é o coração do afeto e o motivo dos tapinhas nas costas. Quando muito, de animadas reuniões dançantes e almoços de gente importante. Tanto em um quanto em outro lugar, a conversa é impossível. Nessas circunstâncias, a boca foi feita para outras coisas. E nem todas tem relação com a comida.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Desintitulado n° 9.

Um necrófilo e um suicida são potencialmente iguais. Perderam a paciência. No meio termo existe a política e a religião. Se uma oferece a salvação pela palavra, outra oferece a salvação pelo silêncio. Mas ninguém explica do que precisamos nos salvar.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Desintitulado n° 8.

Nem só de sexo e dinheiro vive o homem. Sacanagem também é essencial. A democracia surgiu dessa constatação. Mas os homens de bem logo inventaram a ditadura.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desintitulado nº 7.

Senso comum:
A festa está na bunda assim como a bunda está na festa.

À parte primeiro:
Quem faz a festa?

À parte segundo:
De quem é a bunda?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Desintitulado nº 6.

O auge da solidariedade humana é a divisão de uma cerveja com um desconhecido em qualquer mesa de bar. Como no Brasil existe um bar em cada esquina, somos um povo extremamente solidário.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Desintitulado nº 5.

Cidadão é quem traz na cabeça a Coroa do Voto. Na época de eleição, é quem é abraçado por políticos, ganha cestas básicas, contas de água e luz pagas e alguns favores ao deus-dará das vaidades. Cidadão é aquele que no seu município, não vota nos vereadores porque vê nas suas idéias algo que enfim possa mudar sua cidade. Cidadão é quem vota nos vereadores porque têm a expectativa de que esses vereadores possam, junto ao prefeito, conseguir alguns outros favores para ele. No Brasil, urna e cidadão são equivalentes. Esperar mais que isso seria pedir demais. O nome secreto da Constituição é Continuidade. Ou algo impublicável.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

OROBORO DE COBRA CORAL.

Não me impressionou o resultado das eleições. Fiquei entediado. Nada de novo no front. Brasil é Brasil. Lógica autofágica. Cobra que devora o rabo. Ali se encontra nossa história. Mito que tem um pai como centro. Pai que sabe quem são seus filhos. Mas esconde grana no colchão. Libera uns trocados pros rebentos não berrarem. O direito se confunde com caridade.

Poucos percebem o atoleiro.

Talvez por isso sejamos o país da gambiarra. Ou o país mais imoral do mundo. Nosso governo reflete relações familiares. Temos de fazer parte da irmandade pra ter direito a ter direitos. Isso só aumentou nos últimos anos. O Bolsa Família, por exemplo, não quer dar condições pras pessoas serem mais livres. Pretende dar poder de compra às pessoas. Não é algo ruim. Sou a favor. Mas demonstra que a liberdade atual é medida em cifrões. Quanto mais podemos comprar, mais livres somos. Somos irmãos na fidelidade dos créditos. O cidadão contemporâneo é o consumidor contemporâneo. O Estado fomenta instrumentos pro consumo.

A justiça é pesada com cestas básicas.

Isso esteve no discurso dos candidatos. Falou-se de segurança. Pra consumir tranquilamente. Falou-se de educação. Pra consumir mais e melhor. Falou-se de saúde. Como quem fala de um carro na oficina. Tornamo-nos máquinas que vivem pra consumir. Consumimos a vida no ato da compra. O espelho das nossas existências é a fatura dos cartões. Um futuro realmente livre está cada vez mais distante. Liberdade implica em afirmação. Não em negação. Liberdade está para igualdade. Mas uma igualdade baseada na compra não é igualitária. Sua medida é o poder aquisitivo. Não o desenvolvimento humano. Nega pra afirmar. Pauta-se em porcentagens. Não em vidas.

Achamos que bonsais dão frutos se feitos de puro plástico.

A religião poderia libertar. Mas Deus foi tomado dos pobres e aprisionado em palácios de mármore. Perdeu sua razão de ser. Há séculos a religião deixou de ser um instrumento de lutas. Virou calmante. Figuras como Cristo ou Buda são vendidas com ares de Dale Carnegie. Esqueceu-se do caráter revolucionário da crença. Ela foi substituída por anestésicos que nos consolam quando o salário acaba. Ou quando perdemos algum parente. A religião vedou sua porta pra liberdade. Tornou-se goteira pra prisão. Serve de marionete pro lucro.

O ouro substituiu a fé do mesmo modo que o brilho vale mais que a luz.

A liberdade plena é a ausência de corpo, diz Artaud. Desprovidos dos nossos apetrechos de bicho, podemos ser completamente livres. É uma provocação. Não significa que não devemos lutar por liberdade. Mas que devemos buscar uma liberdade sempre por vir. O além da vida só é além na vida. Só existem espíritos de carne e osso. Isso passa pela construção de uma identidade apegada à igualdade. Respeitosa quanto à diferença. Mas no Brasil nossa identidade se resume ao futebol e ao carnaval. Nossas lutas se restringem aos estádios e nossa felicidade a uma liberdade velada em fevereiro ou março. Essa identidade prende nossas possibilidades de mudança em uma sociedade na qual a família não é a célula do Estado, mas o reflexo microscópico do jogo de favorecimentos que é o Estado. A imagem de um pai caridoso quando convém e não justo como deveria ser.

Direito virou esmola – e não foi sempre assim?

As eleições de domingo confirmaram a regra. Não aconteceu nada de novo. Se o Brasil fosse um Estado suficientemente forte, não haveria razão pra tanto alarde. Mas quem entra na gestão estatal muda a atitude do Estado. O tendéu se justifica. O que está em jogo é a possibilidade de novos favorecidos e novos facilitadores ao favorecimento. Desde sempre foi assim. Não vejo futuro próximo distante desse padrão. Muita coisa melhorou nos últimos anos. Não se pode negar. Mas a única possibilidade real de mudança residiria em uma atitude do povo brasileiro que estivesse não apenas presa às discussões de mesa de bar. Precisamos de ações concretas que visem mudança a partir da construção de uma identidade que se reconheça com a liberdade e a igualdade. Então haverá espaço à fraternidade e à diferença.

Algo extremamente difícil quando a medida do cidadão é sua conta bancária.

O brasileiro tem medo de ser livre. O mundo caminha contra a liberdade. Restou a disciplina da compra. O vazio é a consumação do consumo. Não precisamos de exorcismo. Precisamos de análise. Problema é que nem Freud explica quando revoluções viram misticismos. A história não acabou. Acabamos com a história. Restaram umbigos. A serpente devorou o rabo. Teve uma congestão. Oroboro de cobra coral. Veneno que é alimento. O resultado somos nós. Minha esperança é a consciência disso.

Mas quem arrisca?