segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Desintitulado n° 15.

Nem todas as estrelas são reais. Algumas são cristais de gelo colados no engano do céu. Essa é a razão das geadas.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Desintitulado n° 13.

Só um homem sabe como uma mulher deve agir. Mas nenhum homem sabe como uma mulher agirá. Por isso os homens costumam inventar as mulheres que amam. É a prova da imperfeição do Universo. Somente assim há criação e vida. Talvez seja um truque para suportarmos a existência. Todo "eu te amo" é um "você falhou" jogado no espelho. Mas não há reflexo em salas escuras. Essa é a origem da beleza.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Jam n° 2.

Destruir. Destituir. Desalocar. Tirar o centro do mundo. Fazer com que aquele sol, aquele sal, aquele gosto de água descolorida, tenha sua voz no céu enquanto mar, enquanto suspensão, areia que entra pelas narinas e despovoa as coisas da sua opacidade, do seu frêmito de não-sentido, legando luzes, danças, balés de cores rubras, gargânteas, afinadas com o som agudo dos gritos da África, da explosão das metástases, da fome em todo sexo, em toda roda, em tudo aquilo que faz a cidade respirar, que chupa água da cafeteira e vomita suco de planta na minha xícara, trazendo o torrão branco que alguma mão de Gullar colheu sem que jamais saiba da sua procedência, do fogo que lhe tocou, dos olhos ardidos pela fumaça, dos galos que ouviu enquanto eu ia dormir e ela, em sua condição de mão, acordava para as lâminas e para o salário que mal durava cinco dias. Altruísmo. Vergonha. Imensidão. Vazio vazio. O sonho tem sua própria métrica. O sonho é o único direito justo a ser defendido, disse Glauber. Longe dele há a mansidão da razão ou o revolutear da desrazão, da insanidade que move as massas em alguma direção incerta, cabildo e redução.

domingo, 7 de novembro de 2010

Jam n° 1.

Não existem avenidas aos meus pés.
Existem faces que desfiguram a profusão das ressacas,
das ondas abanando o amanhã em cada aresta de pedra,
confundindo ontens ressequidos de orquídeas
apenas porque o roxo é a cor dos cadáveres
e das flores que te dei naquela manhã de outono.

Vês o que fizeste de mim? Sou um papel sem valor.
Sou o rosto envelhecendo aos poucos nas prateleiras das repartições,
enegrecido pelo carimbo bem-vindo de algum advogado,
de algum contador que porventura queira o número da minha matrícula no trabalho,
do meu RG e CPF, e, se calhar, também do CNPJ
daquele negócio que abri e que não deu certo
porque não era para dar certo,
enquanto os sóis do Universo giram sua rosa despedaçada,
sua ciranda elétrica e sem propósito,
e eu, se a noite desejar, apenas deito aos 25° graus dessa quinta-feira,
inerte de mim e de tudo,
querendo que o mar longínquo seja mais que miragem,
mas não tendo ao redor nada além do suspiro inconfundível
da falta de sentido de um anseio,
de uma lágrima,
de um rancor para consigo que não passa de medo do mundo,
de rádio que conta histórias para crianças
e explicações que nada explicam afora seu egoísmo.

Parti-me em dois, em três, em mil,
e quando dei para juntar as partes
e enfim compor um espelho,
era tarde demais.

Sobraram réstias de sol na sala,
paredes ventiladas de prosopopéias e versos interrompidos.
Uma angústia latente querendo ser peito
e as coisas sem nexo daquilo que sou revolvendo meu estômago,
meus pulmões,
meu sexo prenhe de vidas que não serão.

Não acredito em Heidegger e muito menos em Strauss.
O incesto é a razão de ser.
A interdição não é natural.
As coisas não são as coisas fora do olhar que pousamos nelas:
e o olhar esvai ao primeiro toque
e ao primeiro amor adolescente
que borda poemas nos meus pêlos de dez anos atrás.

Hoje, aos vinte e seis, magro como não deveria,
olhar entre a calma e o desespero,
solfejo enciclopédias
e escrevo meu epitáfio como quem toca um oboé sem jamais ter visto um oboé,
mas ainda assim deseja uma linha de sax em noites de New Jersey.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desintitulado n° 11.

Quando crianças, queremos ser jogador de futebol. Quando adultos, queremos ganhar na loteria. Esses são nossos principais sonhos. Mas entre a impossibilidade da realização de um e outro, é que construímos nossa vida. O grau de sucesso que obtemos é medido pela aproximação com um desses limites. E quem negar é a mulher do padre. Ou seja: a vagabunda da vizinhança. Mas nem por isso pouco bondosa. Afinal, a imoralidade é a razão da felicidade. E a ignorância é sua mãe. Ninguém pode ser feliz abertamente. É pecado.