segunda-feira, 17 de setembro de 2012

RUSSOMANNO E O "RELIGIOSISMO" CONTEMPORÂNEO.

A onda de "religiosismo" atual pode ser vista como um reflexo antagônico do enorme desenvolvimento na área técnico-científica presenciado nas últimas décadas. Na tentativa de sonegar evidências, por absoluto e puro temor as massas rumam na direção do "desconhecido", do "místico", o qual não se manifesta apenas em tantas facções neo-pentecostais pelas quais cruzamos de esquina em esquina, mas também na propagação absurda de "Teorias da Conspiração" e demais "espiritualismos" encapsulados nos best-sellers do momento. 

Além disso, quando há o reconhecimento nítido de que tamanhos avanços morais, éticos e jurídicos tidos nos últimos trezentos anos advém da propagação de uma cultura laica e secularista, também há a percepção de que, sendo secularista, essa cultura varia enquanto espaço-tempo, não possibilitando abertura para demandas comportamentais que adjudiquem um viés inquebrantável e inquisitorial por se tratar de uma posição laica. Como vivemos em uma realidade marcada por preconceitos crescentes, algo palpável na contemporânea postura dos países europeus quanto aos estrangeiros, pode-se afirmar igualmente que essa reação é simetricamente negativa em relação ao transcorrer do desenvolvimento histórico, sedimentado pela tentativa de aceitação do outro enquanto igual.

Para que possamos perceber outras manifestações da tendência que cito, basta observar a crescente preferência por Celso Russomanno na corrida pela prefeitura de São Paulo. Representante do PRB (Partido Republicano Brasileiro), o qual consiste no braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, Russomanno afirma, dentre outras declarações, que deseja "uma igreja em cada esquina da cidade". Defensor da PEC 99/11 (a qual modificaria o art. 103 da CF/88, possibilitando que associações religiosas tenham capacidade para propor ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal), Russomanno inclusive consiste em figura pública brasileira que detém interesses casados com o atual discurso de alguns baluartes do Partido Republicano dos EUA (os quais defendem a extinção do ensino evolucionista nas escolas públicas, sendo este substituído, ipsis literis, pelo ensino criacionista). 

Dentre as várias conclusões que podem ser retiradas de todo esse cenário, a principal quem sabe esteja para a necessidade de permanecermos vigilantes. A igualdade entre os cidadãos apenas se perpetua com a expansão das liberdades, a qual, por sua vez, dá margem ao surgimento da diferença como sua própria condição. Trata-se de um palco teórico/prático complexo que talvez possa ser parcamente resumido da seguinte maneira: quanto mais liberdade detenho, mais posso afirmar minha diferença, considerando-se que quanto mais pessoas detiverem a liberdade que detenho, “mais iguais” nos sentiremos na afirmação dessa diferença, dessa singularidade. Assim se nota que atrelar o futuro jurídico-político de um país a concepções dogmáticas, na contramão de um pensamento de base iluminista que modificou as relações sociais no transcorrer dos últimos séculos, trata-se de um regresso tremendo, visto que daria margem para a transmutação de concepções morais (por natureza, individuais) em concepções éticas e jurídicas (por natureza, coletivas), o que de forma alguma é postura republicana. 

O problema se acentua quando percebemos que grande parte da população, afetada por um bom-mocismo tacanho, por um politicamente correto furtado de auto-crítica, por um anti-intelectualismo arrogante, segue líderes e tendências da estirpe, apenas denotando a necessidade cada vez maior de discussões sérias e profundas com relação a temáticas do gênero. Não que estejamos à beira de um novo Estado Teocrático. Compulsando a história, seria algo que muito dificilmente viria a ressurgir. Mas que há a possibilidade de uma transmutação brusca de valores individuais conservadores em mecanismos de controle social totalmente excludentes, totalmente alheios à diversidade, isso é inegável.

Um comentário:

  1. Não há nada de novo meu caro, os valores instituidos na religião pelo homem já são mecanismo de controle social a muitos anos. Ocidentalmente o cristianismo vem ditando regra desde sempre, e o Brasil apesar se se considerar laico só é mais um espectro do que vemos da nossa usurpação até cá, de quando fomos catequisados, feito à luz de uma instituição de fé pautada em mentiras e fundado em medo. Largamente as promessas de Russomano não passam de engabelações políticas para atrair voto e confiança de este povo adorador de pastores e templos. Ao meu ver, seus apoios nessas emendas constitucionais não passam de meios de se fazer passar nesses mesmos seguidores de templos. Qualquer um com minino de consciencia sabe distinguir os niveis de conhecimento e aplica-los em seus devidos momentos, não existe cabimento uma aprovação nesse tipo de lei, haveria uma fomentação e não aceitação em maioria, soa inclusive ridiculo pleiteiar esta causa. Bom texto Eduardo, parabéns.

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