quarta-feira, 29 de agosto de 2012

LIVE AND LET DIE.

Não existem ironias da vida. A vida é uma ironia. Você olha pro céu. É noite. Vê uma porção de estrelas. Quando não sabe o que são, acha bonitas. Cria verruga no dedo apontar pra uma. Liga “Lua Cheia” do Papas pra namorar aos dezessete. Tudo lindo, romântico, Sparks. Mas depois descobre que essas estrelas provavelmente não existem mais. É a luz que viaja zilhões de quilômetros e encontra seus olhos. Elas estão mortas. O céu se transforma numa máquina do tempo. Um cemitério de sóis violentos, o que talvez torne tudo ainda mais belo. Mesmo que cruel. 

Quando tive Biologia na escola, me ocorreu algo parecido. Lembro que a professora falava em “Teoria Criacionista” e “Teoria Evolucionista”. Na primeira, Deus criou a vida. Na segunda, somos parentes dos macacos. Nunca consegui ligar a primeira com qualquer coisa que pudesse se chamar de “teoria”. Quanto à segunda, achava muito interessante. E angustiante. Mas quem sabe tudo o que é interessante seja angustiante. A angústia é uma porta para a autenticidade. Quando você está perdido, geralmente se encontra. Ou afoga suas mágoas em qualquer coisa que faça sua mente esquecer de esquecer de esquecer. Algo assim. 

Mas pensa no take: nasce, cresce, morre. Entre o “nasce” e o “morre”, o “cresce” é que faz toda diferença. Nele tudo acontece. Sexo, vinho tinto, macarrão à bolonhesa e paranóias pra dormir. Tudo reside aí. Tudo o que você deixará além do pó no chão, farelos do seu corpo decomposto, está aí. Lembrança naqueles com os quais conviveu? Provavelmente. Um livro, um disco, um trabalho que por acaso fez? É possível. Mas qual o sentido disso tudo? Estará contido apenas no “cresce”? No amadurecimento das laranjas que, de tão maduras, caem e apodrecem em vermes ao sopé do pé? Ironia, muita ironia.

O estranho é que pra vida ser irônica, teria de ter um narrador que assim a fizesse. Do contrário, o termo não serviria. Talvez não sirva. Não há qualquer evidência de narrador. Ao menos até o momento. Vejamos o tempo, portanto. Detém a perspectiva do sujeito: o cidadão sente seu transcorrer. Detém a perspectiva naturalista: o tempo existe antes de você sentir seu transcorrer. Qual é a mais válida? Diria que ambas. Mas real, cruel e violenta como uma mulher berrando TPMs, somente a natural. Antes mesmo de seus pais transarem e nove meses depois você nascer, o tempo estava aí. No primeiro milionésimo de segundo após o Big Bang, o tempo passou a existir. E o passado do tempo? Não existe: não há tempo. 

Fato é que tudo é muito estranho. Esses dias, um camarada largou essa num churrasco: “imagina se tem gente nos observando lá do céu”. Respondi que ele andava assistindo muito Big Brother. Ele retrucou: “pode até ser, mas sempre há a possibilidade”. “Sempre há a possibilidade”: essa frase ficou girando na minha cabeça. Possibilidade de vida pós-morte, possibilidade da validade da “Teoria Criacionista”, possibilidade de que, em duas horas, eu escreva o romance que venho matutando há anos – e que é até agora somente um matutar. Sempre existem possibilidades. Mas e realidades? Não sei. Talvez seja também uma possibilidade e vivamos na Matrix. 

Quanto mais estudo, mais asno me sinto: confissão. Quanto mais sei, menos sei que sei: outra confissão. Quanto mais vivo, menos sei o motivo de fazer tudo o que faço: terceira e última confissão. Invejo pessoas plenas de objetivos. Sabe aquele sujeito que parece realizado após passar num concurso? Pois é. Invejo ele. Mas também me atrevo a dizer que esse senso de realização da criatura é uma capa. Uma rolha. Cobertura de nega maluca abatumada. Lá na massa do bolo, a coisa não é bem assim. Existem furinhos. Furinhos de vazio. Furinhos de nada que você nem percebe ao mastigar. Mas estão ali, ponteando seus dentes, estalando mínimos e audíveis somente pra ouvidos de pastor alemão. Essa é a verdade: pra suportar o vazio, cobrimos sua presença com outra, negando a ausência que nos constitui. 

Assim é que o niilismo não me parece algo sem nexo. Niilista é aquele que diz que não há mais nada a não ser o nada. Tudo se equivale a nada. Não há peso, medida ou INMETRO. Nenhuma metafísica se sustenta, nenhum valor detém contornos reais. Tudo? Que nada!: nada. Mais ou menos isso. Mas quem sabe essa seja a mola propulsora de tudo que talvez possamos construir. A partir do momento em que você sabe desse nada, vê que tem todo um mundo pra trazer à tona. Pode se sentir mal, inicialmente. Pode se desesperar, amansar crises na cachaça, certamente. Mas depois desse momento, algo de autêntico se instalará. A angústia precede a autenticidade. É normal. Algo como você tomar um pé na bunda, passar por dias de choro em pleno Carnaval e sair, noites depois, renovado e feliz disso tudo. Vai saber se no fundo não é disso que fala toda “corno music”. 

“O Guaíba esverdeou”, diz a manchete da Zero. “Grandes coisa!”, resmungo ao derrubar café no piso branco. Deixe que as algas trabalhem. Deixe que eu escreva. Deixe que as estrelas permaneçam mortas, belas em seu brilho. Deixe que escutem Papas pra pegar a moça de dezessete. Deixe que carros voem no quebra-molas na frente da minha casa. Deixe, simplesmente deixe. Preocupações? Claro, existem. Projetos? Devem estar sempre presentes. Do contrário, entoaremos o mantra idiota do “carpe diem” dia após dia. Mas enquanto tudo desmorona e eu mesmo morro um pouco a cada hora, pensando na vida, no Universo e tudo o mais, meu lema será: LIVE AND LET DIE. Cruel? Pode ser. Mas não mais que tudo. Não mais que a ironia de existir. E ainda assim saber: não existe jeito ou maneira das coisas serem mais belas. Esse é meu humor. Essa é minha conclusão.

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